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O ESPÍRITO SANTO, ARTÍFICE DO CRISTÃO

A vida espiritual é a arte de ter presente o Espírito Santo, é seu reconhecimento, é dar-lhe precedência nas decisões. É equivocado julgar que vida espiritual, espiritualidade sejam sinônimos de exercícios de piedade, horas de oração. Os atos devocionais estão inseridos na vida espiritual, mas não a definem. Vida espiritual é vida no Espírito Santo e com o Espírito Santo: é viver imerso nele e tudo, sentimentos, afetos, é iluminado pelo Espírito.

A vida espiritual tem origem no Espírito Santo quando ele clama, dentro de nós, “Abbá” – Paizinho: ainda não sabemos falar com Deus, por isso, o Espírito Santo balbucia em nosso lugar e nos vai introduzindo na amizade com o Pai. “Abbá” é a fala da criança, é a palavra que nos faz ingressar no espírito de filiação e viver como filhos carentes do amor divino (cf.. Gl 4,6). Depois, adultos na fé, o chamaremos de Pai..

Antes de ascender aos céus Jesus afirmou que o Espírito Santo que envia revela, recorda tudo o que ele falou e fez. O Espírito é o revelador de Deus: é ele quem decide nossa vida porque, sem Deus, estamos submetidos à morte.

O Espírito Santo nos faz continuamente recordar Deus Pai (recordar é recolocar Deus em nosso coração). Recordar é essencial na vida espiritual, é o lembrar contínuo da presença de Deus. Ao nos tornarmos seres espirituais por ação do Espírito Santo, nossa existência e nossos afetos se dilatam sobre todo o universo e assim, tudo e todos nos recordam a presença de Deus, nosso louvor brota espontâneo e intenso na contemplação da obra do Criador.

O Espírito Santo faz reconhecer as maravilhas de Deus. Uma dificuldade do homem de hoje é esta: na pressa de viver pouco com muita coisa, na busca incessante do vazio de vida, perde a capacidade do maravilhar-se. Passa por uma criança, uma mãe, flor, ave e não presta atenção, pois não se maravilha com nada além de si mesmo no espelho.

O amor à beleza é saudade de Deus. Sem esse amor afundamos no caos, no desespero, na desintegração pessoal. O Espírito Santo doa olhos espirituais ao homem, olhos novos, capazes de ver o rosto de Deus em tudo, também no Cristo e nos irmãos crucificados. Então proclamamos com o salmista: “Ó Senhor, nosso Deus, como é glorioso teu nome em toda a terra! Sobre os céus se eleva a tua majestade!” (Sl 8,1).

A vida espiritual é cristológica: ela continua a obra de Cristo, faz-nos recordar sua palavra e obra graças ao Espírito Santo, que nos faz reconhecer em Jesus o Cristo e Senhor do universo. Na Liturgia louvamos o Pai por Cristo, com Cristo e em Cristo, gerando a unidade do Espírito Santo em nós.

Santificação pelo Espírito Santo

A santificação, vocação a que todos somos chamados, é obra do Espírito Santo em nós. Os Santos Pais da Igreja afirmam que o homem e o Espírito Santo formam um único princípio: o homem existe ou como ser espiritual – e é pessoa – ou como ser carnal – e é apenas criatura. Assim, é pela inabitação do Espírito que somos verdadeiramente pessoas. Poderíamos aqui citar Santo Irineu: “A glória de Deus é o homem vivente e a vida do homem é a visão de Deus”. É do plano divino que um somente exista com o outro.

Pelo mistério do Batismo nos tornamos filhos de Deus, mas ainda somos mármore não esculpido, madeira sem forma. É pelo Espírito Santo que o mármore ou a madeira adquirem a forma de obra de arte, de beleza: ele imprime no ser ainda carnal a forma do homem perfeito, cria o cristão. A Liturgia celebra essa obra espiritual com o sacramento da Crisma: pela unção do óleo do Espírito Santo, o batizado se torna cristão, adquire a forma, o jeito, a atitude, o coração de Jesus Cristo. São Gregório de Nissa, Pai da Igreja, compara o homem com o ferro e o Espírito Santo com o fogo: como o fogo torna o ferro plasmável, podendo ser mudada sua forma, o Espírito Santo é o fogo que nos plasma à semelhança de Deus.

O Espírito Santo frutifica na vida e na história do homem e da humanidade através de seus dons e frutos: amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, lealdade, mansidão, autodomínio (Gl 5,22-23).

Através dele o homem pode tornar-se comunicador de Deus, porque o Espírito revela os mistérios de Deus, nos introduz no amor divino e dele nos faz anunciadores. Pela oratória somos bem falantes: já o Espírito nos faz comunicar palavras que geram comunhão e vida nova (brotam da unção espiritual). O Espírito Santo cria no homem uma orientação vivente para o Pai. Guiada pelo Espírito, nossa vontade torna-se vontade de Deus e decidimos, como Maria: “Sou a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38).

A ação do Espírito Santo produz mudança externa na pessoa. Ao homem ele oferece o amor: a relacionalidade. Coloca em nós o amor que sai para amar, faz-nos sentir amados para podermos amar. O amor que orienta o encontro com o outro, ajudando a sair para entrar em comunhão. Saída não destrutiva, mas amorosa. Faz perder alguma coisa para adquirir comunhão. Não é perder por perder.

Como gratidão à obra santificadora do Espírito em nós, só nos resta continuar a invocar: “Vinde, Espírito Santo, enchei os nossos corações, neles acendendo o fogo do vosso amor”.

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VIDA ATIVA E VIDA ESPIRITUAL

Orante caminhando (Nesterov)

Fala-se de crise de fé no clero e no laicato apesar de, em nossos dias termos, como nunca, livros, programas de TV e rádio, instruindo no tema da fé. Existe muito empenho social, muitas obras: então, por que isso não é seguido de um grande florescimento da vida espiritual? Por acaso se pensa que ação é vida espiritual?

Crise de fé é conseqüência de crise de oração. Os mestres espirituais não receiam em desafiar: “dize-me como rezas e eu te direi em que crês”. Somente na oração o cristão tem verdadeiramente vida cristã. Quando os discípulos pediram a Jesus que lhes ensinasse a rezar receberam como resposta a primeira oração cristã, o “Pai nosso”, alimento do cristão: contemplar o Pai.

Fomos criados à imagem de Deus (Gn 1,27), ou melhor, somos imagem da imagem de Deus, que é Jesus. Nossa vida de fé é o caminho contínuo de nos tornarmos imagem de Deus partindo da semelhança com o Filho. Somente podemos existir como pessoas de fé nessa relação íntima com Deus em cujo rosto encontramos nosso rosto. Em outras palavras, o rosto do Pai revelado em Jesus deve tornar-se nosso rosto, o que somente é possível na intimidade com o Pai através da oração. “Meu coração se lembra de ti: ‘Buscai meu rosto’. Teu rosto, Senhor, eu busco” (Sl 26,8) e pedimos ao Senhor “restaura-nos, faze brilhar teu rosto sobre nós e seremos salvos” (Sl 79,4), pois, se o Senhor esconder de nós sua face cairemos na opressão e na miséria (cf. Sl 43,25).

A Palavra de Deus é verdade, não poesia: ela afirma que Deus volta seu rosto para nós, chama-nos a si e pede que nós também lhe voltemos nosso rosto. E isso somente é possível no momento em que nos colocamos diante dele em corpo e alma, isto é, na oração aprendida com o próprio Jesus. A oração nos fará conhecer o Senhor e repousar em seu seio e, deste modo, seremos teólogos, saberemos falar de Deus. Ensinou-nos Evágrio (século V): “se rezas, és teólogo, se és teólogo, rezas”.

Infelizmente para nós, cristãos, cavou-se um fosso entre a oração e a prática, entre a ação e a contemplação identificando-se as “forças vivas” com as “forças ativas” e mergulhando no conceito pagão de “utilidade”. Esse fosso nos priva de buscarmos o rosto de Deus, perdemos o rosto de filhos, entramos em crise espiritual, agindo febrilmente como autômatos para superar o vazio de fé que toma conta de nosso ser. Repetindo, sem buscarmos o rosto de Deus pela oração não encontraremos nosso rosto, nossa imagem e semelhança, não haverá vida no Espírito.

A oposição entre vida ativa e vida contemplativa, entre prática e contemplação é uma novidade que nega a tradição espiritual do cristianismo. São dois termos, e duas atitudes de vida, inseparáveis. A Igreja necessita de ambos, ou melhor, eles são um, pois um está em relação ao outro. O Antigo Testamento, ao apresentar a luta de Jacó com Deus, revela essa reciprocidade (cf. Gn 32, 23-33)): lutando com o anjo Jacó simboliza a vida ativa e, em seguida, contempla o rosto de Deus simbolizando a contemplativa; muda o nome para Israel (o que lutou com Deus). Sem a luta não conseguiria contemplar o rosto de Deus, vê-lo face a face, pois Deus somente se mostra aos que o buscam no esforço de purificação interior.

Purificar-se das paixões para orar de verdade

A oração é a contemplação do Deus Trindade e a ação é a preparação para ela. O mestre espiritual Evágrio Pôntico define vida prática como método espiritual que purifica as paixões. A finalidade da ação e da ascese (jejum e esmola) é recuperar na alma a saúde natural, a libertação das suas doenças ou paixões, para se libertar das ilusões. Podemos fazer uma comparação: do mesmo modo que não se cura doente das vistas olhando para o sol, igualmente não há fruto na oração em espírito e verdade num coração impuro e tomado pelas paixões.

Assim, a vida ativa e a contemplativa não são independentes, mas duas etapas de um único caminho cujo horizonte é a contemplação do rosto de Deus na oração.

Na grande tradição cristã, o jejum e a esmola simbolizam a vida ativa, a libertação do viver somente de pão e para o dinheiro/bens. Sem essas duas atitudes ascéticas (ascese é exercício, treino), é impossível atingir o grau da verdadeira oração, da alegria de dizer “Pai nosso”, de contemplar-lhe o rosto.

Mas, não devemos alimentar falsas pretensões: por mais que vivamos o esforço libertador na vida ativa, a oração contemplativa sempre será puro dom, carisma. Dom do Pai, graça oferecida àqueles que Deus julgar dignos.

Recuperar a vida espiritual significa recuperar a alegria da vida cristã das comunidades, significa sair do intelectualismo soberbo, do ativismo e mergulhar na verdadeira sabedoria que brota daqueles que contemplam o rosto de Deus e assim se tornam teólogos, podem falar de Deus porque, como Jacó/Israel, o viram face a face: “Vi Deus face a face e minha vida foi poupada” (Gn 32,31).

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