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CRIAÇÃO, ECOLOGIA E EUCARISTIA

Criação ofertada na Eucaristia

Criação ofertada na Eucaristia

“Creio em um só Deus, Pai todo poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis”: com este ato de fé na origem divina de tudo glorifiquemos nosso Deus, proclamando: Creio!

Decidiu o Senhor Deus que suas criaturas participassem de seu ser, sabedoria e bondade e assim usufruíssem da felicidade plena. Deste modo, toda a obra criadora incluiu a finalidade maior de edificar a casa de Adão e de seus descendentes: com eles estaria sempre em diálogo e lhes apresentaria a doação feita, a cada criatura, para a harmonia universal.

Toda a criação, todo o universo são frutos do excesso/desperdício do amor divino: bastaria uma fonte, uma flor, uma ave, e Deus escolheu o caminho do excesso de criatividade e beleza, pois queria alegrar o ser humano e enriquecê-lo com o dom da admiração, do encantamento dia por dia, toda a vida. E a criatividade divina nos inspira em nossa criatividade. Santo Irineu de Lyon afirma isso: Deus criou todas as maravilhas do universo e somente depois o homem, a quem presenteou com seus dons maravilhosos. Também escreveu que a criação do ser humano foi obra das duas mãos do Pai, a Palavra e o Espírito, é obra da Trindade Santa.

A visão cristã da criação glorifica-a em sua dignidade, em seu fundamento e em seu destino: tudo foi feito pelo Pai por meio de seu Filho e para seu Filho (cf. Cl 1,16) que é o herdeiro de todas as coisas e, por meio dele, todas serão regeneradas para que Deus seja tudo em todos (1Cor 15,28).

Quando tudo estava pronto, Deus enriqueceu sua obra com o homem e a mulher, e criou-os à sua imagem e semelhança para que sua beleza ultrapassasse a de todas as criaturas. Tudo é obra divina, mas o ser humano é mais do que obra, inclui também a imagem divina. Somente ele pode contemplar plenamente toda a criação e, através dela, cantar seu autor, somente ele pode dizer “sou raça divina”.

Dotado de imagem e semelhança divinas, através de sua presença e trabalho o homem e a mulher fazem o divino penetrar na obra de Deus.

Deus foi infinitamente além: no primeiro ato, incluiu na humanidade sua imagem e semelhança divinas e, no segundo ato de seu plano eterno, fez seu Filho assumir a natureza humana de modo a podermos cantar, extasiados, que “o Verbo se fez carne e habitou entre nós”.

Pão e Vinho - Julian Merrow-Smith

Pão e Vinho – Julian Merrow-Smith

Ecologia e Eucaristia

Tudo Deus nos deu: o mundo e seu Filho. Mas, ao recebermos um dom não o destruímos, dele não nos servimos como de coisa qualquer: nós o protegemos, guardamos e dele nos servimos com reverência a quem nos ofereceu e, mais ainda, a quem o criou. Isso, infelizmente, não aconteceu: durante séculos os animais e vegetais, o meio ambiente foram considerados como mero contexto para a vida do homem, nada mais do que instrumentos a seu livre serviço. Agora colhemos os frutos deteriorados de nossa ação predadora, e seu maior monumento são os lixões que “enfeitam” cidades, vilas e campos.

Seguindo o caminho que Francisco nos traçou com a Laudato si, o Criador nos oferece a oportunidade de um grande ato penitencial, porque a tradição cristã não pode separar justiça e paz, misturar condivisão e expropriação da terra, unir cuidado pela natureza e pela qualidade da vida humana com desperdício. Justiça, paz geram a harmonia pela rejeição da desordem e da prepotência do poder. O desperdício é fruto do pecado, pois leva o outro a sofrer privações e hipoteca o futuro.

Devemos ao teólogo ortodoxo Ioannes  Zizioulas, metropolita de Pérgamo, o caminho tanto desse ato penitencial como da rejeição ao pecado da ingratidão diante da oferta divina: ele propõe a Eucaristia como verdadeiro caminho para a ecologia. Os dons apresentados ao Pai para a consagração eucarística são dons criaturais e, mais ainda, não se restringem àquele pão e àquele vinho, mas levam consigo toda a criação e todo o trabalho humano. Pão e vinho são a totalidade da criação.

Deus aceita a oferenda, sobre ela envia o Espírito Santo e tudo se transfigura, torna-se Corpo e Sangue de Cristo. A cada Eucaristia a criação é santificada para que possa ser oferta agradável a Deus, oferta de ação de graças, pois não podemos oferecer a Deus o fruto de nosso consumismo, desperdício, uma criação devastada, desertificada, fruto da morte que nos habita e gera morte. O pão se torna o Senhor e o Senhor se faz Pão para a vida do mundo. Uma Eucaristia vivida no Deus Criador nos leva ao uso respeitoso e moderado da criação, faz-nos sacerdotes e guardiões da obra divina.

A criação é um dom de comunhão divina: um dom eucarístico. No pão e no vinho depositados no altar também incluímos os pecadores, os leprosos, os doentes, os famintos, os solitários, os estrangeiros, nosso evangelho vivência do Evangelho. Tudo oferecemos para que tudo seja transfigurado pelo Espírito. E não oferecemos solitariamente: toda Igreja oferece conosco, a do céu e a da terra. Cada um de nós representa misticamente a totalidade da obra divina, pois Deus está em tudo e, pela comunhão, estamos em Deus.

O pecado original criou a ruptura do homem com o Pai e também a ruptura com a humanidade e a natureza. Mandando-nos celebrar a Eucaristia, o Senhor da redenção nos liberta da ruptura com Deus e transfigura e regenera a própria matéria pois “a criação espera com impaciência a revelação dos filhos de Deus” (cf. Rm 8, 19-20).

Pe. José Artulino Besen

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X – A FÉ – CREIO NA RESSURREIÇÃO DA CARNE E NA VIDA ETERNA

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Nosso Credo revela o caminho da fé: crer em Deus Uno e Trino, crer na criação do mundo e do homem e mulher, reconhecer o pecado e crer no mistério da encarnação e da redenção, crer na Igreja, crer na remissão dos pecados. Este é o caminho que faz com que nossos passos sejam acompanhados pelos passos divinos, trazem ao nosso coração um desejo infinito que supera nossa finitude: não queremos nos separar de nossos irmãos e irmãs, não queremos nos separar de Deus, queremos viver sempre na alegria do mistério divino e humano, a alegria de vida eterna.

Fruto deste desejo infinito, nosso coração, que não terá paz enquanto não repousar em Deus, faz-nos professar com força: “Creio na ressurreição da carne! Creio na vida eterna!”. É o que afirmamos com alegria no 11º. artigo do Credo, nossa Profissão de Fé. “A confiança dos cristãos é a ressurreição dos mortos; crendo nela, somos cristãos”, se afirma desde o início do Cristianismo. Ser cristão é crer na ressurreição!

Nossa vida é caminho de ressurreição

Sim! Nós, cristãos, cremos na ressurreição da carne, esperamos ardentemente o encontro final com o Pai, o Filho, o Espírito Santo. Essa esperança faz-nos viver bem, porque cada dia é precioso, não perdemos o tempo nem o caminho, investimos a vida naquilo que é bom e justo. A fé na ressurreição faz de nossa vida uma escola de amor para o encontro com o Amor, uma escola de fraternidade para o encontro com o Pai.

Com tão firme esperança, desaparece o medo da morte que levou Adão e Eva a negarem Deus, medo que destrói nossos ideais e sonhos. A morte não nos amedronta, pois sabemos que ela foi derrotada na Cruz. Existe a morte natural, afinal, nosso corpo segue os limites da natureza, mas não existe a morte de nossa “pessoa”.

Mas, o que é a ressurreição da carne? Primeiro, temos de responder a uma outra pergunta: o que entendemos por carne? Consideremos a Eucaristia: quando Jesus diz “quem come minha carne e bebe meu sangue” (Jo 6,56), está afirmando: “Quem me recebe como alimento”. Carne e sangue significam a mesma realidade: a pessoa, corpo e alma. Comungando, no Espírito não mais comemos pão e vinho, mas o Corpo e Sangue do Senhor.

“Creio na ressurreição da carne” é afirmar “creio na ressurreição da pessoa”. Nós não somos anjos, somos homens e mulheres, somos alma na carne, de modo inseparável. O Espírito que ressuscitou Jesus dentre os mortos dará vida a nossos corpos mortais mediante o espírito que habita em nós (cf. Rm 8,11): “corpo”, aqui, é a pessoa humana (alma num corpo) cuja morte foi vencida por Cristo no Espírito.

Ressuscitamos pelo poder do Espírito

Nós não sepultamos uma pessoa, sepultamos um cadáver. Não há ninguém enterrado nos cemitérios e sim, cadáveres que retornam ao pó e que merecem nosso respeito, pois foram lavados e ungidos no Batismo. A morte foi vencida: nós morremos, sim, mas logo somos ressuscitados pelo poder do Espírito.

De que maneira? Cristo ressuscitou com seu próprio corpo: “Vede as minhas mãos e os meus pés: sou eu!” (Lc 24,39). Mas ele não voltou a uma vida terrestre. Da mesma forma, nele ressuscitarão com seu próprio corpo, porém, corpo “transfigurado em corpo de glória”, em “corpo espiritual” (1Cor 15, 44). Assim explicou o Papa Francisco: “Esta transformação, esta transfiguração do nosso corpo é preparada nesta vida pelo encontro com Cristo Ressuscitado nos Sacramentos, especialmente na Eucaristia. Nós, que nesta vida nos alimentarmos do Seu Corpo e do Seu Sangue, ressuscitaremos como Ele, com Ele e por meio d’Ele. Como Jesus ressuscitou com o Seu corpo, mas não regressou a uma vida terrena, assim nós ressuscitaremos com os nossos corpos que serão transfigurados em corpos gloriosos, corpos espirituais” (Catequese em 04-12-2013)

A pessoa humana – corpo encarnado – é transfigurada pelo poder do Espírito. Veja o que aconteceu com Jesus: ressuscitado, continuou sendo Verbo feito Carne, mas entrava por portas fechadas, estava transfigurado. Assim seremos nós. E o que acontecerá com nossas cinzas no cemitério? Tanto João Paulo II como Bento XVI ensinaram que a nossa ressurreição não supõe nossa natureza física atual: Deus nos dará um corpo novo, glorioso.

Graças  a Cristo, a morte cristã tem um sentido positivo. “Para mim, a vida é Cristo, e morrer é lucro” (Fl 1,21). “Fiel é esta palavra: se com Ele morremos, com Ele viveremos” (2Tm 1,11).  A novidade essencial da morte cristã está  nisto: pelo Batismo, o velho homem já está sacramentalmente “morto com Cristo”, e revestido de Cristo para viver de uma vida nova; conservando a veste batismal, com ele viveremos para sempre.

Em sua História de uma Alma, Santa Teresinha escreveu, a respeito da morte: “Eu não morro, eu entro na vida”.

Graças damos a Deus que nos oferece tão feliz herança: habitar entre os santos e anjos na Luz, pela eternidade.

Pe. José Artulino Besen

 

 

 

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IX – CREIO NO ESPÍRITO SANTO, FONTE DA VIDA

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Nós professamos: “Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele que falou pelos Profetas”.

Tudo o que falamos de Deus, da verdade sobre o homem, da salvação, nós somente podemos fazê-lo pela ação e inspiração do Espírito Santo. Nossa capacidade é reduzida por causa da condição de pecadores, sujeita ao orgulho e à vaidade, e o Espírito vem em nosso socorro.

O mistério de Jesus Cristo, Deus e homem, morto e ressuscitado é conhecido pelas Escrituras, mas somente experimentado como Senhor e verdade transformadora por ação do Espírito, “que nos ensina toda a verdade” (cf. João 14, 26). Ele, Senhor que dá a vida, é a alma da Igreja: sem alma, um corpo é cadáver, sem alma, a Igreja é apenas ONG ou estrutura devocional. Talvez seja pela pouca aceitação da força e luz do Espírito que nós confundamos liturgia com cerimônia, ministério com poder, tradição com tradicionalismo, Bíblia com livro de auto-ajuda. Porque, com o Espírito Santo, a liturgia é a celebração do mistério pascal, a Igreja é povo de Deus e Corpo de Cristo, o ministério é serviço, a Bíblia é palavra de Deus, tradição é a permanência fiel na fé que nos foi transmitida desde o início.

O Espírito da vida e da coragem

Ainda no tempo apostólico, o apóstolo Filipe encontrou o eunuco da Rainha de Candace lendo a Bíblia sem nada entender. Movido pelo Espírito, Filipe lhe explicou o texto e ele creu no Senhor (cf. Atos, 8, 26-27). Encontrando alguns que se diziam cristãos, Paulo perguntou-lhes se tinham recebido o Espírito Santo, e responderam que nem sabiam de que se tratava (cf. Atos 19, 1-7). Paulo impôs-lhes as mãos e se transformaram.

Falando aos bispos da Coréia do Sul (14-08-2014) Papa Francisco pediu que não caiamos na tentação da lógica do mercado, dos números, do sucesso: “Em muitas circunstâncias os agentes de pastoral são tentados a adotar não só modelos eficazes de ação, programação e organização tirados do mundo dos negócios,  mas também um estilo de vida e uma mentalidade guiados mais pelos critérios mundanos de sucesso e até de poder do que pelos critérios enunciados por Jesus no Evangelho”.

Jesus é o nosso Intercessor junto ao Pai, o Espírito Santo é o nosso Advogado junto ao Pai (Paráclito): se Satanás é o acusador, o Espírito e o Senhor nos defendem, cobrem nossas fraquezas, e nos enchem de coragem. Não ter medo de viver a fé, de proclamar a vida nova em Cristo é o fruto maduro da ação do Espírito em nós. Não seremos grupos barulhentos, dados a esquisitices, mas seremos membros de comunidades vivas onde frutifica o amor cristão.

O Espírito luz, fogo, vento

É verdade que no dia de Pentecostes o Espírito se manifestou sob a forma de línguas de fogo, de vento impetuoso, mas também é verdade que se manifestou como mansa pombinha, brisa da tarde, fogo que aquece o coração e nos impele a conhecer e amar a Jesus. O fogo do Espírito queimou a ignorância dos Apóstolos, e como vento impetuoso desmonta nossas seguranças humanas e as substitui pela segurança humilde da fé, da esperança e da caridade.

Em nosso orgulho, nos achamos os crentes verdadeiros, exemplares, mas o Espírito geme dentro de nós revelando nossa condição frágil, iluminando nossa consciência, não para nos humilhar, mas para que busquemos a graça que salva e torna fértil o chão de nossa existência.

Mergulhado na água do batismo, o Espírito lava nossas impurezas e nos reveste de Cristo, arranca nossas máscaras e nos dá um novo rosto, humano; transmitido pelo óleo consagrado, unge um povo de sacerdotes, alivia os sofrimentos dos enfermos; comunicado pela imposição das mãos oferece à Igreja bispos, sacerdotes e diáconos; unindo o casal de noivos, faz deles marido e mulher com a graça da fidelidade, do amor fecundo. Santificando, pela ação do Pai, o pão e o vinho, coloca em nossa mesa fraterna o Pão da Vida eterna e rejunta nossos ossos com carne rediviva. Ele falou pelos Profetas, ele quer nos falar e falar por nós. E, obra prima da criação, deu-nos Maria, a Virgem Mãe, causa de nossa alegria, anúncio de um Reino que é justiça, paz e alegria no Espírito Santo  (cf. Rm 14, 17).

Pe. José Artulino Besen

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VIII – A FÉ – CREIO EM JESUS CRISTO, SALVADOR

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Por que o Filho de Deus veio ao mundo? Para a nossa salvação, logo respondemos, e precisamos ter clareza sobre o que é a salvação, o que significa ser salvo. Em primeiro lugar, Jesus não veio apenas para nos dar uma boa morte, como se nossa vida terrena nada contasse, nem veio apenas para que não fôssemos condenados ao inferno. Isso é consequência da salvação, de uma vida salva.

O evangelho de João revela com clareza a salvação que Jesus oferece: “Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância” (João 10, 10). Vida em abundância a partir do momento da concepção, passando pelo nascimento, crescimento, vida adulta e morte. Tudo na plenitude do amor de Deus, não vivendo de qualquer jeito, fechado em si mesmo, não colaborando para que o outro também viva em abundância.

O Filho de Deus veio ao mundo para nos ensinar o caminho da vida, onde a morte não tem mais poder, onde a liberdade nos faz humanos.

Criando o homem e a mulher à sua imagem e semelhança, Deus tinha-lhes dado uma participação especial na própria vida divina. Segundo o projeto de Deus, o homem não deveria nem sofrer nem morrer. Além disso, reinava uma harmonia perfeita: no próprio ser humano, entre a criatura e o criador, entre o homem e a mulher, bem como entre o primeiro casal humano e toda a criação (CIC 374-379). A obra divina é obra de harmonia, de paz, de santidade.

Mas, Deus nos fez livres e nos quer livres. Uma característica do ser humano é a liberdade, que o distingue de todas as outras criaturas. É o poder, dado por Deus ao homem, de agir e não agir, de fazer isto ou aquilo, e implica também a possibilidade de escolher entre o bem e o mal. A liberdade é a característica dos atos propriamente humanos e seu melhor fruto é fazer o bem, o que nos torna verdadeiramente livres. A escolha do mal é um abuso da liberdade, e nos conduz à escravidão do pecado.

Filiação divina e conhecimento de Deus

O primeiro pecado enfraqueceu a liberdade humana e, na sucessão de pecados se acentuou o enfraquecimento da liberdade. Mas “é para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gal 5,1). Com a sua graça, o Espírito Santo reconduz-nos para a liberdade espiritual, para fazer de nós colaboradores livres da sua obra na Igreja e no mundo.

Crer em Jesus Cristo significa crer que ele é Senhor e Salvador. No nome “Jesus” está incluída a sua missão, pois significa “Deus salva”, é aquele que salva o povo de seus pecados, que nos reconduz à liberdade. “Cristo”, “Messias” significa ungido, Jesus é o Cristo porque é consagrado por Deus, ungido pelo Espírito Santo para a missão redentora.

“Vós todos sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo” (Gálatas 3, 26). No mundo religioso que anunciava castigos divinos, onde Deus era temido, rei e juiz terrível, por Jesus chegou a boa notícia: somos filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo. Deu-nos a capacidade e o direito de nos dirigirmos a Deus como a um Pai, como ele o fazia. Nossa oração principal tem início com “Pai nosso”. O Pai nos faz participantes da vida de seu Filho.

E como conhecer o Pai? Jesus é o narrador do Pai, com toda autoridade, pois o conhece desde toda a eternidade. Essa revelação é feita pela Palavra e pelos gestos que o Senhor realizou na terra e nos são transmitidos pelos Evangelhos. Quando Filipe pede para conhecer o Pai, Jesus responde: “Filipe, quem me viu, viu o Pai” (João 14, 9). A vida de Jesus é a narração do coração do Pai.

Certamente isso causou mal-estar nas pessoas que se achavam conhecedoras de Deus e agora escutavam e viam alguém dizendo: “como eu vivo, assim é o Pai”. João Batista anunciava um tempo de justiça, colheita, e Jesus anuncia o tempo da graça, da misericórdia, da paciência, porque Deus é amor.

O tempo da salvação

Paulo afirma que, desde toda a eternidade, Deus tinha decidido nos enviar o Filho, isso antes do pecado: Jesus viria ao mundo mesmo sem o pecado dos primeiros pais, porque o plano divino é de nos salvar. Em outras palavras: Deus nos fez à sua imagem e semelhança, e Jesus veio para levar essa semelhança à plenitude.

Então, o que é a salvação? É a transformação realizada em nós pela graça e que nos torna a cada dia mais semelhantes a Deus. O homem plenamente salvo é o homem plenamente divinizado. A salvação tem início com o batismo que nos oferece um caminho de perfeição que se concluirá na eternidade. É um caminho dinâmico de transformação alimentado pelo amor divino em Cristo e pela nossa busca contínua da felicidade: queremos ser como Deus, queremos ver o Pai.

Cristo é nosso Salvador: vivendo no meio de nós, com sua vida narrou o Pai e narra para nós o caminho da salvação. Somente ele, Deus e homem, pode dizer: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (João 14, 6). Assim cremos, assim somos salvos

José Artulino Besen

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VII – A FÉ – E A PALAVRA SE FEZ CARNE – A EUCARISTIA

«O Senhor da Humildade» (ícone russo)

«O Senhor da Humildade» (ícone russo)

A fé cristã afirma Deus como Pai, Filho e Espírito Santo, e afirma o Filho como verdadeiro Deus e verdadeiro Homem: Trindade e Encarnação. São esses os mistérios que fundam e fundamentam a fé cristã. O Filho recebe o nome de Jesus (Deus salva) e Cristo (o Ungido de Deus) e é nosso único Senhor.

Em sua Carta aos Filipenses (2, 5-11) São Paulo transcreve um Hino que era memorizado pelos cristãos e que narra dois mistérios do Filho:o mistério da descida (sendo Deus, Jesus renunciou à condição divina, fez-se homem assumindo a condição humana, descendo até o abismo da morte) e o mistério da subida (Deus o ressuscitou e o exaltou, dando-lhe um Nome acima de todo nome, para que todos proclamemos que ele é o Senhor). Tudo isso, para a glória de Deus Pai, no Espírito Santo.

O mistério da descida – a Palavra se fez Carne

Nós proclamamos no Credo: “Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, Nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria”.

O Filho eterno, Deus eterno com o Pai, se fez carne, isto é, se fez humano e habitou entre nós (João 1, 1-14). Desde toda a eternidade, antes da criação do mundo e do homem e da mulher, foi esse o projeto de Deus: o Filho vir habitar na natureza humana e no meio de nós. Muito importante: Deus entrou na história, no tempo. Numa época, o ano I de nossa era, e num lugar, a Palestina. A história humana é agora história divina, a vida humana é também vida divina.

O Pai decidiu seguir os meios que estabeleceu para nós: o Filho se encarna em Maria de Nazaré da Galiléia, seu sangue é nosso sangue, sua carne é nossa carne. Podemos afirmar com todo o direito: somos da linhagem divina, e Deus é da linhagem humana (Atos, 17, 29). Concebendo por obra do Espírito Santo, Maria é chamada Mãe de Deus, pois não podemos separar em Jesus o que é divino e o que é humano: Jesus é Deus e homem verdadeiro, em unidade perfeita e sem confusão.

A palavra “carne” significa a pessoa humana em todas as dimensões: física, psicológica, emocional, espiritual. Tudo isso o Filho assumiu ao se encarnar em Maria: Deus decidiu passar pelas experiências humanas em toda a sua riqueza e fraqueza, menos no pecado. Paulo afirma que Jesus assumiu a condição de escravo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz.

O mistério da subida – ressurreição e Eucaristia

A descida de Jesus está incluída na sua obediência radical e livre ao Pai, que não o deixa abandonado ao poder da morte. Pelo contrário: Deus o exaltou e deu-lhe um Nome pelo qual podemos ser salvos. E a exaltação se conclui: em Nome de Jesus todo joelho se dobre e toda língua proclame “Jesus Cristo é o Senhor”, para a glória de Deus Pai. Na obediência, o Senhor desceu o máximo e, na subida, o Pai lhe dá o título máximo de Senhor. Devemos recordar, contudo, que o Senhor que subiu na glória se encontra presente em nossa humildade, pois Deus decidiu estar conosco para sempre.

Em cada Eucaristia celebramos a vida do Filho, sua encarnação, nascimento, morte, ressurreição e ascensão ao Pai. A Eucaristia é a presença plena do Senhor em nós e de nós nele. Assim como pela digestão o pão e o vinho são transformados, do mesmo modo, na Eucaristia são transformados porque digeridos e, desse modo, nós somos transformados em Corpo de Cristo. São João Crisóstomo assim fala: uma vez que como o pão e o vinho, Corpo e Sangue de Cristo, sou transformado no Corpo e no Sangue de Cristo a tal ponto que “não sou mais eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). E Santo Agostinho: se quisermos ver a Eucaristia e compreendê-la, olhemos o que está no altar: nós estamos no altar onde está Cristo e na união com ele nós nos tornamos Corpo e Sangue de Cristo.

A Liturgia russa nos comove com um belo título para Jesus: o Senhor da Humildade. Tão cheio de poder e glória, e tão cheio de simplicidade e bondade. Na língua grega do Novo Testamento, o Filho é denominado “Kyrios”, o “Senhor”, nome que indica não somente respeito, mas, em Jesus, significa que não há nenhum poder fora dele, tudo está submetido à sua autoridade. Nele, Deus Pai quer ser glorificado. O nome “Senhor” era de tal modo profundo que a Liturgia romana manteve no grego a prece “Kyrie eleison”, Senhor, tende piedade de nós, no ato penitencial, que era repetida três vezes. Somente mais tarde incluiu outro nome, o “Christe eleison”. Isso porque somente ele tem direito ao nome Senhor, somente ele merece a nossa humilde submissão, sempre confortadora. E somente ele, o Senhor, tem a autoridade de nos reconciliar com o Pai, o mundo, a humanidade. E, na sua humildade, pela Eucaristia nos torna seu Corpo e Sangue.

Pe. José Artulino Besen

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