1.2. A fornicação

Nossa segunda luta é contra o espírito de fornicação e a concupiscência da carne, que começa a atormentar o homem desta a infância. Trata-se de uma luta grande e difícil, porque inclui uma dúplice luta. Enquanto os outros vícios se combatem somente na alma, esse se apresenta em forma dúplice, apresentando-se tanto na alma como no corpo e, por essa razão, necessita-se sustentar um duplo combate. Somente o jejum do corpo não basta para adquirir a castidade perfeita e a verdadeira pureza, se não se inclui também a contrição do coração e a perseverante oração a Deus, a contínua meditação das Escrituras, o cansaço e o trabalho manual; tudo isso pode frear os impulsos inquietos da alma e afastar-lhe as imagens vergonhosas. Mais do que tudo, ajuda a humildade da alma; sem ela não se vence nem a fornicação, nem os outros vícios. É necessário, portanto, antes de tudo proteger o coração dos pensamentos impuros (cf. Pr 4,23) com o maior empenho. Dele, segundo a palavra do Senhor, provém os pensamentos malvados, homicídios, adultérios, fornicações e o resto (cf. Mt 15,19).

O jejum, na verdade, não nos foi recomendado apenas para tratar o corpo de modo austero, mas também para mater o profundo do coração vigilante, para que não aconteça que, tomado pela abundância dos alimentos, se torne incapaz de vigiar os pensamentos. Deve-se mostrar o maior zelo não só no jejum do corpo, mas também na vigilância dos pensamentos e na meditação espiritual, caso contrário é impossível alcançar o cume da verdadeira castidade e pureza. É necessário, portanto, segundo a palavra do Senhor, purificar o interior do copo e do prato, para que também o exterior seja puro (Mt 23,26). Por isso, se é nossa preocupação, como diz o Apóstolo, lutar segundo as regras e ser coroados (cf. 2Tm 2,5) por ter vencido o espírito de fornicação, não confiemos na nossa força e em nossa ascese, mas no socorro de Deus, nosso Senhor. Não há descanso para o homem assaltado por esse espírito, enquanto não crer verdadeiramente que não é pelo empenho que ele põe, nem por sua fadiga, mas é pela proteção divina e o socorro de Deus que será libertado dessa doença e atingirá o cume da castidade.

Cassiano o Romano,
Ao bispo Castor, vol I, p. 63

Não digas no teu coração: “É impossível, para mim, readquirir a pureza da virgindade, após ter caído de tantos modos na corrupção e na loucura do corpo”, porque, lá onde as fadigas do arrependimento se enraízam numa vida austera e no fervor da alma, onde escorrem rios de lágrimas da compunção, lá são abatidas todas as fortalezas do mal e se apaga o incêndio das paixões, lá acontece um novo nascimento que vem do alto através da visita do Paráclito, lá a alma retorna a ser um palácio de pureza e virgindade. Nela, numa luz e numa alegria inefável, Deus que está além da natureza desceu, assentou-se como num trono de glória na parte superior das profundidades do seu coração e doa a paz às potências que a circundam, dizendo: Paz a vós (Jo 20,21) das paixões adversas; dou-vos a minha paz (Jo 14,27), para que vos comporteis segundo a natureza; vos deixo a minha paz (ib.), para que atinjais a perfeição além da natureza.

Após ter curado as três partes da alma com essa tríplice doação da paz, após tê-la alçado até a tríplice perfeição e tê-la unida a si, plasma-a novamente e a torna inteiramente virgem, bela, agradável no bom odor dos perfumes da pureza. E lhe diz: “Ergue-te, minha bela pomba, vem para junto de mim, graças à vida prática. Eis, terminou o inverno das paixões. Cessou a chuva dos pensamentos sedutores do prazer. As flores das virtudes apareceram sobre a terra do teu coração com o perfume dos pensamentos (cf. Ct 2,10-12). Levanta-te, vem a mim no conhecimento da contemplação natural (primeiro grau da contemplação a partir das coisas criadas). Por ela, minha pomba, protege-te e, na treva da teologia mística, na firme rocha da fé em mim, Deus” (cf. Ct 2,13-14).

Nicetas Stethatos,
Capítulos naturais 50

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