2. A divinização

Na plenitude dos tempos, pelas entranhas da misericórdia,  o Verbo sumamente divino do Pai se manifestou, tornando vãos os desígnios dos príncipes das trevas, realizando e colocando em prática o desígnio antigo e verdadeiro que havia estabelecido. E agora, feito homem com a benevolência do Pai e a colaboração do Espírito Santo, assumiu a nossa natureza humana e a deificou. E depois de ter-nos dados seus mandamentos de salvação e deificantes, e de ter semeado em nossos corações, por meio do batismo, a perfeita graça do Espírito Santo – como semente divina – deu-nos, segundo o divino evangelista, o poder de obter o fruto final, de por essa graça tornar-nos filhos de Deus e ser deificados, atingindo o estado de homem perfeito, na medida da plenitude de Cristo (Ef 4,13). Tudo isto se vivermos segundo seus mandamentos e guardarmos em nós, sem apagá-la, a graça, pondo-os em prática. Era este, como conclusão, o fim e a realização do inteiro desígnio da Palavra a nosso respeito.

Nicodemos Aguiorita,
Prólogo, vol. I, p. XX

Pouco a pouco a mente e o coração se purificam e se unem em si mesmos e, após purificados e unidos, os mandamentos salvíficos são observados mais facilmente; em seguida, os frutos do Espírito Santo germinam na alma e todos os bens são generosamente concedidos. E então, para dizê-lo brevemente, de tal modo é tornado possível em pouco tempo retornar àquela graça perfeita do Espírito que nos foi dada em semente no batismo, mas que foi misturada com as paixões como uma centelha em meio às cinzas; uma vez que ela tornou-se resplandecente é-nos dado ver e ser iluminados espiritualmente e, como conseqüência, ser aperfeiçoados, e sucessivamente deificados.

Nicodemos Aguiorita,
Prólogo, vol. I, p. XXI

Uma só coisa é impossível o homem: ser imortal. É-lhe possível unir-se a Deus, isso se compreende que possa fazê-lo. De fato, se quer, e compreende, e crê e ama, graças a uma vida boa torna-se familiar de Deus.

Antônio o Grande,
Prólogo, vol. I, p. XXI

Enquanto sou imperfeito e rebelde porque não obedeço a Deus através da prática dos mandamentos e não me tornei perfeito no conhecimento em meu entendimento (cf. 1Cor 14,20), também Cristo, por minha culpa é considerado imperfeito e rebelde em mim. Eu o diminuo e o mutilo porque não cresço junto com ele no espírito, enquanto que sou corpo de Cristo e, individualmente, membro dele (cf. 1Cor 12,27).

Máximo o Confessor,
Sobre a teologia 2,30

Deus nos criou a fim de que comungássemos da natureza divina (cf. 2Pe 1,4), para que fôssemos participantes da sua eternidade a aparecêssemos semelhantes a ele (cf. 1Jo 3,2) na deificação dada por graça, pela qual existem e permanecem todos os seres e é trazido à existência tudo o que não existe.

Máximo o Confessor,
Sobre a teologia 3,42

Se desejarmos ser chamados e ser [propriedade] de Deus (cf. 1Jo 3,1), lutemos para não entregar o Verbo às paixões, como Judas o fez (cf. Mt 26,14-56), ou não trai-lo, como fez Pedro (cf. Mt 26,69-74). Trair o Verbo é a rejeição de fazer o bem por medo; entregá-lo é intencionalmente pecar e mostrar inclinação pelo pecado.

Máximo o Confessor,
Sobre a teologia 3,43

Através da participação na graça do Espírito seremos chamados filhos de Deus e, puros de toda mancha, íntegros, levaremos conosco inteiramente, sem delimitá-lo, aquele que realizou essa graça e que, por natureza, é filho do Pai, do qual, pelo qual e no qual temos e teremos o ser, o movimento e a vida (cf. At 17,28). O nosso escopo, quando rezamos, seja, portanto dirigido a esse mistério da divinização, para que reconheçamos de qual condição nos tomou e como fez o esvaziamento na carne do Unigênito, e de onde e onde ele fez subir com a potência de sua mão amiga nós que tínhamos tocado o ponto mais baixo de tudo; lá nos tinha mergulhado o peso do pecado. Então amaremos mais aquele que de modo assim sábio operou tal salvação,  e com o nosso agir mostraremos que a oração foi eficaz, e com o nosso anúncio manifestarmos que Deus é verdadeiramente pai, por graça.

Máximo o Confessor,
O Pai nosso, vol. II, p. 201c

Recebemos o poder de nos tornarmos filhos de Deus (Jo 1,12), mas não o seremos se não nos despirmos das paixões.

Ninguém creia ter se tornado filho de Deus na realidade, se não adquiriu dentro de si as características próprias de Deus.

Talássio Líbico,
Sobre a caridade 2,57-58

É filho de Deus aquele que foi feito semelhante a Deus através da bondade da sabedoria, da potência e da justiça.

Talássio Líbico,
Sobre a caridade 2,88

Aquele que foi purificado das paixões através da aflição espiritual percebe os mistérios escondidos em todas as Escrituras e por todos é impressionado, e particularmente, por todas as obras e palavras do santo evangelho; como a sabedoria de Deus tornou fácil aquilo que é difícil de modo que, pouco a pouco, fez do homem um deus. Fê-lo bom a ponto de torná-lo capaz de amar os inimigos; misericordioso, como o Pai é misericordioso (cf. Lc 6,36); livre das paixões, como o Pai é livre das paixões; rico de todas as virtudes e perfeito, como o Pai é perfeito (cf. Mt 5,48) e, numa palavra, tudo o que convém a Deus a santa Bíblia o ensina com relação ao homem, a fim de que se torne deus por adoção.

Pedro Damasceno,
Livro I, vol. III, p. 45

Aqueles que foram dignos de se tornarem filhos de Deus (Jo 1,12) e possuem em si mesmos o Cristo luminoso são guiados pelo Espírito em múltiplos e diversos modos e aquecidos pela graça no segredo do coração. Para ilustrar como a graça divina se ocupa na alma, nada é melhor do que comparar com algumas das alegrias aparentes deste mundo. Às vezes, de fato, eles se alegram e exultam de alegria indizível e inefável como num banquete real; outra vez, alegrando-se como uma esposa que repousa em companhia do esposo; outras, como anjos incorpóreos, de tal modo é grande a leviandade e a irresponsabilidade de seu corpo que chegam nem mesmo a acreditar que são revestidos dele. Outras vezes, são como quem se alegra num lugar e se inebria da inefável embriaguez dos mistérios do Espírito; outras vezes, são tomados pelo pranto e gemido no suplicar a salvação dos homens, e inflamados pelo amor divino do Espírito por todos os homens, tomam para si a aflição espiritual de todo o Adão. Outras vezes, pela ação do Espírito, ardem de tal amor unido a um prazer impossível a ponto de se dizer que, se fosse possível, abraçariam com a própria misericórdia todo homem, sem distinguir entre o bom e o mau. Outras vezes, na humildade do Espírito, de tal modo se rebaixam abaixo de todo homem a ponto de se considerarem últimos e inferiores a todos. Outras vezes, são devorados por uma indescritível alegria do Espírito. Outras vezes, são como um poderoso que, revestido da armadura real e partido para a guerra coloca em fuga os inimigos; igualmente aqueles, cingidos com as armas do Espírito, avançam contra inimigos invisíveis e submetem-nos a seus pés. Ora uma grande calma, uma grande paz os circunda e uma paz os aquece, ora são possuídos por um prazer maravilhoso, ora por uma ciência e sabedoria divina e por um conhecimento do Espírito; numa palavra, são tornados sábios pela graça do Espírito nas coisas que a nenhuma língua é permitido expressar. Outras vezes [quem é guiado pelo Espírito] aparece como um homem qualquer. Assim, a graça divina, transformando-se em muitos modos diferentes, busca como educar e exercitar a alma para apresentá-la ao Pai celeste perfeita, irrepreensível e puríssima.

Macário o Egípcio,
Paráfrases 89

Aqueles que são agradáveis a Deus também obtiveram aquilo pelo qual existem, a deificação. Diz-se que Deus nos criou para isso, para fazer-nos participar de sua divindade (cf. 2Pd 1,4), e aqueles que são assim estão em Deus enquanto deificados por ele e Deus neles está enquanto os deifica. Também eles, portanto, participam da energia divina, mesmo que de outra maneira, mas não participam da essência de Deus. Por isso os teólogos dizem que a divindade é o nome da energia divina.

Gregório Pálamas,
Cento e cinqüenta capítulos 105

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