A SAGRADA FAMÍLIA – JESUS, MARIA E JOSÉ

O presépio é o centro do tempo natalino. As imagens e ornamentos trazem um encanto especial para quem ingressa nas nossas igrejas e se depara com aquela cena que nos traz à memória e aos sentimentos o dia do Natal. De modo especial, o maior encanto é reservado às crianças que contemplam a cena bimilenar do nascimento do Salvador. As crianças e os pobres vivem com mais intensidade a beleza dos arranjos natalinos, a cada ano oferecidos para serem contemplados por todos que buscam ver e conhecer a surpresa reservada no dia 25 de dezembro, sempre a mesma e sempre emocionando na sua beleza e pobreza. É a linguagem da fé nos falando ao coração, uma cena divina e humana.

O mistério do Natal acontece dentro do mistério da Sagrada Família. Não podemos celebrar a festa natalina deixando de lado a festa divina, do Deus que vem ao nosso encontro. Mais ainda, do Deus que quer ser humano, do Deus humilde e pobre que desce para estar conosco. Natal é encanto, é verdade, mas é muito mais: Deus quer ser como nós, não só para nos salvar, mas para viver humanamente a profundidade da pobreza e da humildade. Ele tem tudo, todo o poder e grandeza, mas deixa tudo isso para ser humano, ser como nós, ser pobre entre os pobres, entre os mais pobres. As Bem-aventuranças propostas por Jesus são a síntese concreta, o mostruário da vida simples e feliz de quem se decide a viver na alegria da vida verdadeira, plena, como o Senhor escolheu para si e como viveu na sua passagem pela Palestina, dentro da pobre Nazaré e sendo um humilde carpinteiro, ganhando o pão com o suor do rosto, como tantas pessoas que trabalharam com ele, contemplaram sua família e sua casa.

Tudo no Natal celebra a pobreza de Deus que nos envia seu Filho como um pobre entre os pobres. Maria, a pequena moça que recebe a visita do Anjo, que aceita a Palavra que se faz carne e carrega em seu seio por nove meses, guardando para si o segredo que inaugura um tempo novo, tempo central da história e do qual somente ela conhece a grandeza e o alcance profundo e misterioso: ela sabe o que está acontecendo e o que vai acontecer.

José, o carpinteiro nazareno, contempla silenciosamente a noiva que está grávida, preparando para ela e para o menino que vai nascer uma casa pobre e simples, cujo calor será o amor que os unirá, também ele recebe a visita do Anjo que lhe revela o mistério ainda oculto, mas que se desdobrará em grandeza e pequenez, na vida oculta onde tudo é humano e sagrado. Tomará parte, como pobre trabalhador, da humanização divina: ele e Maria estarão com Deus em seu meio, Deus estará com eles, na pequena e pobre casa de Nazaré.

É verdade que a criança divina nasceu em Belém, é verdade que receberam a visita dos pastores e magos, é verdade que foram ao Templo de Jerusalém, é verdade que fugiram para o Egito como tantos pobres fogem para terras desconhecidas. Mas agora estão em Nazaré, vivendo do trabalho de cada dia, vivendo no silêncio o sentido de suas vidas, do mistério que se revela dia por dia, ao longo de 30 anos, junto com os outros pobres em seu povoado. Deus aprende a ser humano, a Sagrada Família aprende a ser divina.

Maria e José silenciosamente acompanham o menino, o jovem, o adulto cuja vida cresce e que eles não podem saber quem é, pois os pobres são felizes em viver juntos, não em se aprofundar no conhecimento. O mistério é sempre mistério, o amor é sempre profundo e na pobreza se desdobra a cada dia como surpresa, novidade, riqueza que brota no estar juntos.

Deus Pai contempla sua Família, Jesus, Maria e José, nela contempla a humanidade e nela também se contempla: Jesus, o filho humano e pobre vive com eles, trabalha pelo pão de cada dia, na humildade sem fim de quem o chama de Pai, e a Maria e José a quem dá o nome de pai e mãe. A pobre Nazaré abriga a pobre família, uma família pobre como tantas outras, manifestando a grandeza simples e humilde de quem quer viver nossa vida – Deus.

Pe. José Artulino Besen

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BEM-AVENTURADO PAPA JOÃO PAULO I

Em 13 de outubro de 2021, o Papa Francisco aprovou um milagre atribuído ao servo de Deus Papa João Paulo I. Uma vida breve que nos ofereceu três papas num ano e, mais ainda, tornou possível que tivéssemos – agora – três Papas não italianos.

Albino Luciani nasceu em 1912 em Canale d’Agordo, Belluno, e morreu em 28 de setembro de 1978, no Vaticano. Era filho de um operário socialista que tinha trabalhado como emigrante na Suíça. Quando decidiu ir para o seminário, seu pai o admoestou: “Espero que quando te tornares padre ficarás do lado dos pobres, porque Cristo estava ao lado deles”.

João Paulo I, que será beatificado no próximo ano, foi papa apenas 33 dias: não deixou documentos sobre seu pontificado, a não ser nomeações para a Secretaria de Estado, algumas cartas, homilias, mas contribuiu para modificar a imagem do papa, indicando um modo novo – simples, pessoal, evangélico – de ser Papa. Nenhum documento ficou para a história do Papado, mas modificou a imagem papal, deixando um exemplo coerente, permitindo, pelo exemplo, intuir de certo modo como poderia ser seu Pontificado se tivesse tido tempo. Esse novo modo de ser Papa, o exemplo, influiu em seu sucessor, Papa Wojtyla.

Transformou a cerimônia da Coroação papal numa “Celebração de início do ministério de Pastor universal”, como continuarão os sucessores. Quis renunciar à Sédia Gestatória, depois aceitando, devido a pressões curiais.

O Papa Paulo VI e o Cardeal Albino Luciani, o futuro Papa João Paulo I, são fotografados em Veneza em 1972. O Papa Francisco beatificará o Papa Paulo em 19 de outubro durante a Missa de encerramento do Sínodo Extraordinário dos Bispos sobre a família. O milagre necessário para a beatificação do Papa Paulo envolveu o nascimento de um bebê saudável para uma mãe na Califórnia, depois que os médicos disseram que ambas as vidas estavam em risco. (CNS photo / Giancarlo Giuliani, Catholic Press Photo) (12 de maio de 2014) Ver BLESSED-PAULVI 12 de maio de 2014.
Papa Paulo VI é saudado por Albino Luciani em Veneza.

Como Cardeal, sugeriu a Paulo VI que assumisse uma posição menos rígida sobre a pílula e, como Papa, convidou mais vezes à confiança em Deus “que é pai, mas também mãe”, a não perder nunca a esperança, uma virtude obrigatória para nós crentes, que nos faz caminhar num clima de confiança e de abandono.

O pobre Papa Luciani não dormiu na noite depois da eleição, atormentado por escrúpulos por ter aceito ser Papa e apareceu tocado por todos os 33 dias de sua breve missão. Disse aos Cardeais, brincando sem brincar: “Que Deus perdoe o que fizeram”. Sentiu-se fora de lugar no discurso após a eleição: “Mas é um pouco fora de lugar dar-lhes a bênção apostólica… Todos sois sucessores dos Apóstolos… De qualquer modo está escrito aqui: ‘Em nome de Cristo dou como efusão de sentimento, a vós, as primícias da minha bênção apostólica’… Linguagem um pouco áulica… Paciência”.

Não tinha nenhuma dificuldade de identificar-se com os humildes e com os necessitados. Uma vez falou que “passou fome” em criança, quando conduzia as vacas à pastagem, com o pai emigrado para trabalhar na Suíça.

Como bispo de Vittorio Veneto e como patriarca de Veneza estava acostumado a se encontrar com as pessoas e agora – como Papa – ele temia que não poderia basear sua ação nessa relação: “Num certo sentido estou triste por não poder retornar à vida do apostolado que me dava tanto prazer. Sempre teve dioceses pequenas, meu trabalho era junto dos jovens, os operários, os doentes. Não poderei mais fazer esse trabalho”. Assim falou, em 30 de agosto de 1978, aos cardeais que o elegeram.

Foi definido “o Papa do sorriso”, mas quem o conheceu como cardeal notou que não sorria tão facilmente, como o fazia a cada dia no mês como Papa. Talvez esse sorriso significava seu desejo de mostrar sua solicitude e sua alma de bom pastor em relação a cada pessoa. Como Papa, queria manifestar que deixava suas “dioceses pequenas” e ingressava numa diocese imensa, tendo por auditório o mundo. Receava que seu temperamento voltado para o contato pessoal não o ajudasse. Era um sorriso que manifestava a todos seu desejo de comunicar. Talvez a dor escondida por trás desse sorriso apressou-lhe a morte e hoje o acompanha na memória dos humildes, dos pobres, felizes com o anúncio da beatificação.

Papa João Paulo I abençoa o Cardeal Wojtyla, que será seu sucessor menos de um mês depois.

João Paulo I teve a vida marcada pela simplicidade dos santos. Ordenado bispo por São João XXIII, em 1958, sucedeu a São Paulo VI em Roma e foi sucedido por São João Paulo II. Sua humildade trouxe-nos o encanto dos Santos e ofereceu à Igreja a esperança de uma nova época: o infarto levou do mundo esse homem rico em santidade, rico na pobreza e deixou-nos a imagem de um homem que encheu o mundo de confiança no Pontificado romano a que ofereceu um novo modo de exercício do ministério petrino. Último Papa italiano, deixou-nos a surpresa de um Papa polonês, um alemão e um argentino. Deus seja louvado!


Pe. José Artulino Besen

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SÃO MAXIMILIANO MARIA KOLBE

São Maximiliano Kolbe – sacerdote e mártir

Nasceu em Lodz, na Polônia, em 8 de janeiro de 1894. Seus pais, Júlio Kolbe e Maria Dabrowska, eram tecelões bem de vida, que trabalhavam em casa com equipamentos teares próprios.

Em 1907, junto com o irmão Francisco deixou a casa paterna iniciando a provação junto aos frades menores conventuais em Leópolis onde, em setembro de 1910 vestiu o hábito religioso. Após o ano de noviciado e de estudos humanísticos foi enviado a Roma onde, de outubro de 1912 a julho de 1915, cursou filosofia na Universidade Gregoriana, seguida da teologia no Colégio Seráfico romano. Por motivo da guerra, passou um tempo em São Marinho, país neutro.

Em 17 de outubro de 1917 fundou a associação “Milícia de Maria Imaculada”, em 1922 erigida como “Pia União”, cujo fim era buscar a conversão dos pecadores, hereges, cismáticos, infiéis e especialmente maçons e a santificação de si próprios e de todos sob o patrocínio da Bem-aventurada Virgem Maria Imaculada e medianeira, assim ele mesmo definiu no redigir os estatutos.

Em 28 de abril de 1918 foi ordenado sacerdote e desejou celebrar a primeira Missa no altar do milagre na igreja de Santo André. Retornando à Polônia, contagiou-se com tísica e teve de passar quatro anos num sanatório vizinho a Zakopane. Em janeiro de 1922, o jovem Kolbe fundou uma revista mariana com o título significativo de “Milícia da Imaculada”, e assim constituir os fundamentos das futuras “Cidades da Imaculada”. A primeira dessas cidades surgiu em 1927, a 40 quilômetros de Varsóvia: era casa editora, a grande tipografia, as casas para os operários, as oficinas, ao todo mais de mil pessoas, a serviço da difusão do culto de Maria no mundo. Das 22 mil cópias em 1922, a revista chegou a ter mais 750 mil espalhadas por todo o mundo. Kolbe pensava em difundir sua obra nos países mais distante. Não por acaso, a segunda “Cidade da Imaculada” surgiu no Japão.

Em 1º de setembro de 1939, com a invasão da Polônia pelas tropas nazistas, estourou a segunda Guerra mundial. A “Cidade da Imaculada” estava exposta à rapidíssima invasão das tropas alemãs e, por isso, a prefeitura de Varsóvia ordenou a imediata evacuação de todos os seus habitantes. Kolbe reuniu os seus e ordenou a todos de salvar-se nos locais mais seguros. Ele ficou permaneceu no posto e se apresentou às tropas alemãs que prenderam as cinquenta pessoas restantes que, após uma caminhada de três dias foram internadas no campo de concentração de Amtitz. Mas, três meses depois foi-lhes permitido retornar à “Cidade da Imaculada”. Kolbe e a comunidade abriram aquelas casas aos doentes e vitimados pela guerra. Foi possível editar um número da revista, onde Kolbe publicou seu último artigo, no qual suplicava à Imaculada para que trouxesse uma paz sempre mais profunda ao mundo.

O Cavaleiro da Imaculada

Em 17 de fevereiro de 1941, o epílogo dramático: a Gestapo invadiu a “Cidade” e prendeu o Pe. Kolbe e outros quatro padres mais anciãos. A motivação foi a mesma que provocou milhões de deportados: a Polônia deveria ser purificada de todos os elementos que com sua profissão pudessem enfraquecer o front interno.

São Maximiliano Kolbe – só o amor é forte

Maximiliano Kolbe foi internado na prisão de Pawiak na noite de quarta-feira, 28 de maio, quando chegou ao campo de concentração de Auschwitz com outros 320 prisioneiros. Na primeira noite ficaram trancados na sala de ingresso do lager, oito metros por trinta. Na manhã seguinte foram despidos e lavados com fortes jatos de água gelada. A todos foi entregue um macacão com um número, e o de Pe. Kolbe era 16670. Foram colocados no barracão 17 dos trabalhos forçados, num primeiro tempo para a construção de um muro ao redor do forno crematório, e depois de uma semana empregados no corte das árvores num bosque distante quatro quilômetros do barracão 17. Foram duas semanas de esforços incríveis, sob as contínuas humilhações dos carcereiros. Doente de pulmonite, terminou no hospital por três semanas e em seguida foi colocado no barracão número 12, o dos inválidos. Pouco tempo depois, Pe. Kolbe foi novamente colocado no barracão dos trabalhos forçados, o famigerado n.14.

Em julho de 1941 um dos prisioneiros desse bloco, o 14, conseguiu fugir: como represália, dez prisioneiros dessa unidade foram condenados a morte pela fome. Esperou-se ainda um dia para continuarem as buscas pelo prisioneiro fugido do lager. Na manhã seguinte, após a chamada, na ausência do fugitivo, o bloco 14 não foi mandado para o trabalho, mas deixado sob contínuo sol quente, por todo o dia. Ao anoitecer, o comandante do campo anunciou aos prisioneiros a sentença e escolheu dez deles para a morte. Frente ao desespero de um dos dez, o pai de família Frank Gajowniczek, Pe. Kolbe deu um passo à frente e ofereceu-se em lugar dele, salvando-o. Os dez foram conduzidos ao bloco n. 13, localizado na parte direita do campo e circundado por um muro de seis metros de altura. No subterrâneo ficavam as celas dos condenados, algumas delas sem janelas. Ao final da terceira semana eram poucos os sobreviventes, entre eles o Pe. Kolbe. Uma injeção de ácido muriático encerrou a vida dos mártires; era 14 de agosto de 1941.

São Maximiliano Kolbe – mártir da caridade

O secretário e intérprete do chefe alemão no subterrâneo da morte, Bruno Borgowiecz, assistiu os últimos momentos: “… os pobres condenados morriam um depois do outro, tanto que ao final da terceira semana restavam somente quatro, entre os quais o Pe. Kolbe. Isso deu à autoridade a impressão que era tempo demais, as celas eram necessárias para outras vítimas… O Pe. Kolbe, com a oração nos lábios, ajudou o carrasco na aplicação da injeção mortal…. Tendo saído o SS com o carrasco, retornou à cela, onde encontrou o Pe. Maximiliano sentado, apoiado na parede, com os olhos abertos e a cabeça inclinada. Sua face, serena e bela, estava irradiante”. Pe. Maximiliano Maria Kolbe estava na pátria celeste, em Deus.

Papa São Paulo VI o declarou bem-aventurado em 17 de outubro de 1971. São João Paulo II o canonizou em 10 de outubro de 1982. Um processo rápido, apenas 42 anos após seu martírio.


Pe. José Artulino Besen

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SANTA MARIA MADALENA, APÓSTOLA DOS APÓSTOLOS

Por vontade do papa Francisco, um decreto da Sagrada Congregação do Culto divino de 3 de junho de 2016 elevou a memória litúrgica de Santa Maria Madalena à Festa igual a dos Apóstolos, com data de 22 de julho. Por que essa memória litúrgica de 22 de julho é equiparada à Festa dos Apóstolos? Na verdade, desde uma homilia do papa São Gregório Magno, as três mulheres são reduzidas a uma “Maria”. E assim ficamos 1.500 anos celebrando Maria Madalena como a Maria de Betânia e a Maria prostituta. Essa redução de Maria Madalena tornou-a sinônimo de mulher vulgar na linguagem do povo.

Se formos fiéis aos textos evangélicos, perceberemos uma história diferente para as três mulheres com o nome de Maria, todas tocadas pelo amor do Senhor, com a vida transformada após o contato regenerador. São três Marias, três histórias de salvação.

Foram necessários dois Papas, João Paulo II e Francisco, para retomarmos a imagem verdadeira e única de Maria Madalena. Foi João Paulo II que dedicou grande atenção não só à importância das mulheres na própria missão de Cristo e da Igreja, mas também, e com forte acento, à função de Maria Madalena qual primeira testemunha que viu o Ressuscitado e, mais, a primeira mensageira que anunciou aos apóstolos a ressurreição do Senhor. Santo Tomás de Aquino (1225-1274) definiu-a como “apóstola dos apóstolos”, porque foi ela que anunciou aos discípulos amedrontados e fechados no cenáculo aquilo que eles, por sua vez, deveriam anunciar a todo o mundo.

Promovendo o papel das mulheres na Igreja

O papa Francisco recebe críticas quando se trata de seus esforços (ou falta deles) em promover as mulheres, especialmente para cargos-chave dentro do Vaticano.

Muitas vezes seus críticos o acusam de grandes promessas, mas falhas na entrega. Em setembro de 2014, ele levantou as esperanças de muitos quando nomeou uma mulher – Irmã Missionária Comboniana, Luiza Premioli, brasileira – como membro de pleno direito da Congregação para a Evangelização dos Povos. Isso foi histórico: até então, “membros” das congregações romanas eram sempre homens: cardeais, bispos e às vezes chefes de ordens religiosas masculinas.

No último dia 8 de julho, quase cinco anos depois, Francisco causou alguma comoção quando nomeou sete mulheres para estarem entre as 23 pessoas recém-nomeadas como membros da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica. Seis dessas mulheres são superioras gerais de ordens religiosas, enquanto a sétima lidera um instituto secular.

De repente, o papa fez a bola rolar novamente, deixando os tradicionalistas alarmados. Estaria o papa dando os últimos retoques no documento preliminar para reformar a Cúria Romana?  É de se esperar que outras nomeações semelhantes de mulheres sigam em massa?

Contratempos e mensagens mistas

Maria Madalena (1809 – Antônio Canova)

Maria Madalena – uma mulher – pode ter sido a primeira pessoa a anunciar a ressurreição, mas no Vaticano os homens ainda estão controlando a mensagem.

Apenas 10 dias após a nomeação de sete mulheres como membros da congregação romana que lida com ordens religiosas, o Vaticano anunciou a nomeação do novo diretor em tempo integral da Sala de Imprensa da Santa Sé. Os três oficiais recém-nomeados são todos homens. E todos são italianos, embora um tenha nascido e vivido brevemente na Grã-Bretanha antes de ser mudado para Roma.

Havia a expectativa de que uma mulher fosse nomeada como vice-diretora da assessoria de imprensa. Pelo menos três mulheres foram convidadas a assumir o cargo. Duas delas, uma italiana e outra latino-americana, recusaram-se por várias razões. Diz-se que a terceira, uma brasileira que trabalhou no Vaticano por muitos anos, não conseguiu a aprovação da Secretaria de Estado.

Existem 12 “superiores”, com tarefas variadas, no dicastério da comunicação. Apenas 11 desses postos estão preenchidos no momento (não há vice-diretor do departamento de imprensa). Os homens ocupam 10 deles – nove são italianos e um é argentino. Uma teóloga leiga, eslovena, é a única mulher no alto escalão. Elas não estão melhor representadas entre os 17 membros em tempo integral neste dicastério. Existem apenas duas delas, os outros são 14 cardeais e bispos e um leigo. Há 31 pessoas listadas entre os funcionários dos vários departamentos e escritórios do jornal. Apenas três deles são mulheres no Osservatore Romano.

O papa Francisco normalmente não realiza revoltas radicais: ele prefere iniciar processos que levem a mudanças graduais – e irreversíveis, gosta de estabelecer cuidadosamente as bases ao longo do tempo, o que pode ser extremamente frustrante para pessoas impacientes ou para aqueles que estão empenhados em buscar justiça aqui e agora.

Mas Roma não foi construída em um dia e os papas que tentam mudar as coisas muito rapidamente podem se ver isolados, suas diretivas ignoradas ou obstruídas, e sua própria saúde e bem-estar em perigo! Francisco sabe disso e está cuidadosamente escolhendo suas batalhas. E enquanto ele continua dizendo que é a favor do avanço das mulheres para as funções de liderança e tomada de decisões dentro do Vaticano e de toda a Igreja, ele muitas vezes parece estar perdido em como fazê-lo.

Talvez ele esteja apostando em obter mais orientação e um pouco de especial intercessão de duas das mulheres que ele mais admira – Nossa Senhora, Desatadora dos Nós e Santa Maria Madalena.

Maria Madalena vê o Senhor

Era bem de madrugada, ainda escuro, e Maria Madalena foi ao túmulo e viu que a pedra tinha sido retirada. Assustada, saiu correndo e foi se encontrar com Pedro e o Discípulo amado para queixar-se: “Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram”.  Os dois discípulos entram no túmulo e percebem que tudo estava em ordem como tinham deixado por ocasião do sepultamento, mas Jesus não estava lá. Viram e creram, e voltaram para casa.

Maria Madalena ficou perto do túmulo, do lado de fora, chorando. Enquanto chorava, inclinou-se para olhar dentro do túmulo. Enxergou dois anjos, sentados onde tinha sido posto o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés. Perguntaram-lhe: “Mulher, por que choras?”. Ela respondeu: “Levaram o meu Senhor e não sei onde o colocaram”. Dizendo isto, Maria virou-se para trás e enxergou Jesus em pé, mas não o reconheceu. Jesus perguntou-lhe: “Mulher, por que choras? Quem procuras?”. Pensando que fosse o jardineiro, ela disse: “Senhor, se foste tu que o levaste, dize-me onde o colocaste, e eu irei buscá-lo”. Então, Jesus falou: “Maria!”. Ela voltou-se e exclamou: “Mestre!” Alegre, ela buscou tocar Jesus, que lhe disse: “Não me segures, pois ainda não subi para junto do Pai. Mas vai dizer aos meus irmãos: subo para junto do meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”.

Então, Maria Madalena foi anunciar aos discípulos: “Eu vi o Senhor”, e contou o que ele lhe tinha dito (cf. Jo 20, 1-18). Ela penetrava no íntimo da fé: o Senhor ressuscitou.

Revelou ao mundo um novo mundo: Cristo ressuscitou! Esse anúncio não proveio de descoberta intelectual, ideológica, e crer nele exige entrar no mistério. Assim expressou Francisco: “Entrar no mistério significa capacidade de espanto, contemplação; capacidade de escutar o silêncio e escutar o murmúrio de um fio de silêncio sonoro no qual Deus nos fala. Para entrar no mistério é preciso humildade, a humildade de abaixar-se, de descer do pedestal de nosso orgulhoso eu. É preciso o rebaixamento que é impotência, esvaziamento das próprias idolatrias.

Tudo isso nos ensinaram outras mulheres discípulas de Jesus (cf. Lc 24, 1-8). Com Maria Madalena elas passaram a noite em vigília, bem cedinho, saíram levando perfumes e com o coração ungido pelo amor. Saíram e encontraram o sepulcro aberto. E entraram. Vigiaram, saíram e entraram no mistério. Não podemos nos confrontar com o evento da ressurreição racionalmente. Ele somente pode ser contemplado e experimentado participando de sua potência de atração que toca o íntimo. Isto ensinam as mulheres, que não buscam entender, mas se deixam agarrar, entram no mistério”.

João Paulo II ressaltou a importância das mulheres na própria missão de Cristo e da Igreja e, de modo especial, à função peculiar, à função de Maria Madalena, a primeira testemunha que viu o Ressuscitado e a primeira mensageira que anunciou aos apóstolos a ressurreição do Senhor. Santa Maria Madalena é apresentada como um exemplo de “verdadeira e autêntica evangelizadora”, que anuncia a “alegre mensagem central da Páscoa”. Francisco quer significar a relevância desta mulher que mostrou um grande amor e foi tão amada por Cristo. Fazia parte dos discípulos de Jesus, havia-o seguido até aos pés da cruz e, no jardim onde se encontrava o sepulcro, tinha sido a primeira testemunha da ressurreição, testemunha da divina misericórdia.

O decreto que insere a memória de Maria Madalena na liturgia como dos apóstolos encontra a explicação no atual contexto eclesial, que convida a refletir mais profundamente a dignidade da mulher, a nova evangelização e a grandeza do mistério da misericórdia divina. Esperamos redescobrir na Igreja latina Maria de Mágdala evangélica, discípula de Jesus, testemunha da ressurreição e, por isso definida por Francisco “apóstola da nova e grande esperança”.

Pe. José Artulino Besen

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NOSSA SENHORA DO CARMO

Nossa Senhora do Carmo

O título de Nossa Senhora do Monte Carmelo, ou também do Carmo, é uma  das devoções mais antigas e amadas da cristandade e deita raízes nos tempos bíblicos. É a padroeira dos carmelitas e daqueles que se empenham em viver a espiritualidade do Carmelo; é protetora e intercessora daqueles que carregam o Escapulário, é a Rainha das almas do purgatório.

Em todo o mundo se multiplicaram os santuários, igrejas, irmandades, e, santos, papas, religiosos e devotos invocam esse título mariano festejado em 16 de julho.

O culto de Nossa Senhora do Carmelo tem suas raízes nove séculos antes do nascimento de Maria e está ligado a uma passagem da vida do profeta Elias, na cadeia montanhosa do Monte Carmelo, na Alta Galileia, onde tinha fundado uma comunidade de homens, defendendo a pureza da fé no Deus vivo contra a tentação do culto idolátrico a Baal. Ali Elias teve a visão da pequena nuvem, pequena como a mão de homem, que da terra subia para o monte, trazendo a chuva e salvando Israel da seca.

“Então, Elias disse a Acab: “Vai, come e bebe, porque já ouço o ruído de uma grande chuva”. Voltou Acab para comer e beber, enquanto Elias subiu ao cimo do monte Carmelo, onde se encurvou por terra, pondo a cabeça entre os joelhos. Disse ao seu servo: “Sobe um pouco e olha para as bandas do mar”. Ele subiu, olhou o horizonte e disse: “Nada”. Por sete vezes, Elias disse-lhe: “Volta e olha”. Na sétima vez, o servo respondeu: “Eis que sobe do mar uma pequena nuvem, do tamanho da palma da mão”. Elias disse-lhe: “Vai dizer a Acab que prepare o seu carro e desça para que a chuva não o detenha”. Num instante, o céu se cobriu de nuvens negras, soprou o vento e a chuva caiu torrencialmente. Acab pulou na carruagem e partiu para Jezrael.  A mão do Senhor veio sobre Elias, o qual, tendo cingido os rins, passou adiante de Acab e chegou à entrada de Jezrael. ” (1Re 18, 41-45).

Nesta imagem, uma tradição transmitida nos escritos pelos Padres da Igreja via na pequena nuvem o símbolo da Virgem Maria que – carregando em si o Verbo de Deus – deu ao mundo vida e fecundidade e continua a oferecer aos homens sua poderosa intercessão. Essa tradição forte no período medieval, encontrou acordo entre os exegetas os místicos cristãos.

As origens do culto

A devoção a Nossa Senhora do Monte Carmelo é inseparável da história e dos valores espirituais da Ordem dos Frades Carmelitas, à difusão do Escapulário e à oração pelas almas do purgatório.

Nos séculos medievais se estabeleceram no Monte Carmelo as primeiras comunidades monásticas que deram início à vida contemplativa. No século XI, os cruzados encontraram estes religiosos, provavelmente do rito maronita que se definiam herdeiros e discípulos do profeta Elias e seguiam a regra de São Basílio. Pelo ano 1154, retirou-se ali o nobre francês Bertoldo, vindo da Palestina com seu primo Armério e veio decidido a reunir os eremitas em vida cenobítica.

Ali, rodeada pelas pequenas celas construíram pequena igreja que dedicaram a Maria, e os eremitas se denominaram “Frades da Bem-aventurada Virgem Maria do Carmelo”, os atuais Carmelitas. Deste modo, o Carmelo adquiria definitivamente suas duas características: a referência ao profeta Elias e a união com a Virgem. Em seguida, o patriarca de Jerusalém redigiu os primeiros estatutos para os eremitas do Monte Carmelo.

Por volta de 1235, os frades tiveram que abandonar o Oriente, devido à invasão sarracena. Os que não sofreram o martírio instalaram-se pela Europa, fundando  o primeiro convento em Messina. Deste modo os carmelitas espalharam o culto àquela “a quem foi dada a glória do Líbano e o esplendor do Carmelo e do Saron” (Is 35,2).

O Escapulário do Carmelo e as promessas

Por volta de 1247, o frade Simão Stock foi escolhido como o sexto prior geral da Ordem Carmelitana; ele, venerado como santo pela Igreja Católica, propagou a devoção da Virgem do Carmelo e compôs para ela um belo hino, o Flos Carmeli.

São Simão Stock era profundamente devotado a Nossa Senhora e muitas vezes implorava-lhe que concedesse proteção especial à sua Ordem, com o dom de algum privilégio. Segundo a tradição, a Virgem quis ouvi-lo e no domingo, 16 de julho de 1251, apareceu ao Santo, com 86 anos, rodeada de anjos e com o Menino nos braços, mostrou-lhe um Escapulário e disse: “Filho amado, leve este Escapulário da sua Ordem, sinal de minha Irmandade, um privilégio para você e todos os Carmelitas. Aquele que morrer neste hábito não sofrerá um fogo eterno; ele é um sinal de saúde, de segurança nos perigos, de um pacto de paz e de um pacto de eternidade”.

Deste modo, a Virgem deixou nas mãos de Simão o penhor de sua primeira “Grande Promessa”: proteção e salvação eterna àqueles que usassem seu hábito sagrado. Originalmente, o escapulário era uma peça sem mangas e aberto nos lados. Na Idade Média, era usado por monges e frades para cobrir a veste no peito e nas costas.

A segunda promessa: o privilégio do Sábado

Vários anos depois da primeira promessa, no início dos anos 1300, a Virgem apareceu a Jacques Duèze, futuro Papa João XXII, e lhe teria dito: “Aqueles que estiverem vestidos com este hábito sagrado serão libertados do purgatório no primeiro sábado após a sua morte”. Portanto, se com a primeira promessa a Virgem assegurava a salvação eterna, com a segunda ela reduzia a permanência da alma no purgatório a um máximo de uma semana.

Assim, por mais de sete séculos os fiéis têm usado o Escapulário do Carmelo para assegurar a proteção de Maria em todas as necessidades da vida e para obter, através de sua intercessão, a salvação eterna e uma pronta libertação do purgatório.

As promessas relacionadas ao Escapulário também foram confirmadas pela Virgem em Fátima. Em 13 de outubro de 1917, de fato, enquanto o grande milagre do Sol era visto por mais de cinquenta mil pessoas, Maria mostrava-se aos pastores sob as vestes da Virgem do Carmelo, segurando apresentando o Escapulário em suas mãos.

Pode-se dizer, portanto, que os inestimáveis ​​privilégios ligados ao Escapulário são parte integrante da Mensagem mariana de Fátima, juntamente com o Rosário e a devoção ao Imaculado Coração de Maria. De fato, as referências ao inferno e ao purgatório, a necessidade de penitência e a intercessão de Nossa Senhora contidas na Mensagem estão em absoluta harmonia com as promessas ligadas ao Escapulário. Não é por acaso que Lúcia, a única dos três pastores que permaneceu viva, se tornou uma Carmelita Descalça, e disse que na mensagem de Nossa Senhora “o Rosário e o Escapulário são inseparáveis”. A Igreja sempre reconheceu e apreciou o Escapulário, através da vida de tantos santos e de Papas que o recomendaram e trouxeram.

São João XXIII confirmou a devoção e mais vezes o recomendou; São Paulo VI exortava ao uso e “recomendou expressamente a prática religiosa do Rosário e do Escapulário do Carmo”. E São João Paulo II falou a dois carmelitas: “também eu carrego no meu coração, há tanto tempo, o Escapulário do Carmelo, pelo amor que nutro pela Mãe celeste, cuja proteção experimento continuamente”.

Milhões de devoto espalhados pelo mundo atestam a devoção mariana, tão simples, simbolizada nas medalhas sobre o peito e a coluna, o Escapulário da Mãe de Deus.


Pe. José Artulino Besen

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