SANTA MARIA MADALENA, APÓSTOLA DOS APÓSTOLOS

Por vontade do papa Francisco, um decreto da Sagrada Congregação do Culto divino de 3 de junho de 2016 elevou a memória litúrgica de Santa Maria Madalena à Festa igual a dos Apóstolos, com data de 22 de julho. Por que essa memória litúrgica de 22 de julho é equiparada à Festa dos Apóstolos? Na verdade, desde uma homilia do papa São Gregório Magno, as três mulheres são reduzidas a uma “Maria”. E assim ficamos 1.500 anos celebrando Maria Madalena como a Maria de Betânia e a Maria prostituta. Essa redução de Maria Madalena tornou-a sinônimo de mulher vulgar na linguagem do povo.

Se formos fiéis aos textos evangélicos, perceberemos uma história diferente para as três mulheres com o nome de Maria, todas tocadas pelo amor do Senhor, com a vida transformada após o contato regenerador. São três Marias, três histórias de salvação.

Foram necessários dois Papas, João Paulo II e Francisco, para retomarmos a imagem verdadeira e única de Maria Madalena. Foi João Paulo II que dedicou grande atenção não só à importância das mulheres na própria missão de Cristo e da Igreja, mas também, e com forte acento, à função de Maria Madalena qual primeira testemunha que viu o Ressuscitado e, mais, a primeira mensageira que anunciou aos apóstolos a ressurreição do Senhor. Santo Tomás de Aquino (1225-1274) definiu-a como “apóstola dos apóstolos”, porque foi ela que anunciou aos discípulos amedrontados e fechados no cenáculo aquilo que eles, por sua vez, deveriam anunciar a todo o mundo.

Promovendo o papel das mulheres na Igreja

O papa Francisco recebe críticas quando se trata de seus esforços (ou falta deles) em promover as mulheres, especialmente para cargos-chave dentro do Vaticano.

Muitas vezes seus críticos o acusam de grandes promessas, mas falhas na entrega. Em setembro de 2014, ele levantou as esperanças de muitos quando nomeou uma mulher – Irmã Missionária Comboniana, Luiza Premioli, brasileira – como membro de pleno direito da Congregação para a Evangelização dos Povos. Isso foi histórico: até então, “membros” das congregações romanas eram sempre homens: cardeais, bispos e às vezes chefes de ordens religiosas masculinas.

No último dia 8 de julho, quase cinco anos depois, Francisco causou alguma comoção quando nomeou sete mulheres para estarem entre as 23 pessoas recém-nomeadas como membros da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica. Seis dessas mulheres são superioras gerais de ordens religiosas, enquanto a sétima lidera um instituto secular.

De repente, o papa fez a bola rolar novamente, deixando os tradicionalistas alarmados. Estaria o papa dando os últimos retoques no documento preliminar para reformar a Cúria Romana?  É de se esperar que outras nomeações semelhantes de mulheres sigam em massa?

Contratempos e mensagens mistas

Maria Madalena (1809 – Antônio Canova)

Maria Madalena – uma mulher – pode ter sido a primeira pessoa a anunciar a ressurreição, mas no Vaticano os homens ainda estão controlando a mensagem.

Apenas 10 dias após a nomeação de sete mulheres como membros da congregação romana que lida com ordens religiosas, o Vaticano anunciou a nomeação do novo diretor em tempo integral da Sala de Imprensa da Santa Sé. Os três oficiais recém-nomeados são todos homens. E todos são italianos, embora um tenha nascido e vivido brevemente na Grã-Bretanha antes de ser mudado para Roma.

Havia a expectativa de que uma mulher fosse nomeada como vice-diretora da assessoria de imprensa. Pelo menos três mulheres foram convidadas a assumir o cargo. Duas delas, uma italiana e outra latino-americana, recusaram-se por várias razões. Diz-se que a terceira, uma brasileira que trabalhou no Vaticano por muitos anos, não conseguiu a aprovação da Secretaria de Estado.

Existem 12 “superiores”, com tarefas variadas, no dicastério da comunicação. Apenas 11 desses postos estão preenchidos no momento (não há vice-diretor do departamento de imprensa). Os homens ocupam 10 deles – nove são italianos e um é argentino. Uma teóloga leiga, eslovena, é a única mulher no alto escalão. Elas não estão melhor representadas entre os 17 membros em tempo integral neste dicastério. Existem apenas duas delas, os outros são 14 cardeais e bispos e um leigo. Há 31 pessoas listadas entre os funcionários dos vários departamentos e escritórios do jornal. Apenas três deles são mulheres no Osservatore Romano.

O papa Francisco normalmente não realiza revoltas radicais: ele prefere iniciar processos que levem a mudanças graduais – e irreversíveis, gosta de estabelecer cuidadosamente as bases ao longo do tempo, o que pode ser extremamente frustrante para pessoas impacientes ou para aqueles que estão empenhados em buscar justiça aqui e agora.

Mas Roma não foi construída em um dia e os papas que tentam mudar as coisas muito rapidamente podem se ver isolados, suas diretivas ignoradas ou obstruídas, e sua própria saúde e bem-estar em perigo! Francisco sabe disso e está cuidadosamente escolhendo suas batalhas. E enquanto ele continua dizendo que é a favor do avanço das mulheres para as funções de liderança e tomada de decisões dentro do Vaticano e de toda a Igreja, ele muitas vezes parece estar perdido em como fazê-lo.

Talvez ele esteja apostando em obter mais orientação e um pouco de especial intercessão de duas das mulheres que ele mais admira – Nossa Senhora, Desatadora dos Nós e Santa Maria Madalena.

Maria Madalena vê o Senhor

Era bem de madrugada, ainda escuro, e Maria Madalena foi ao túmulo e viu que a pedra tinha sido retirada. Assustada, saiu correndo e foi se encontrar com Pedro e o Discípulo amado para queixar-se: “Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram”.  Os dois discípulos entram no túmulo e percebem que tudo estava em ordem como tinham deixado por ocasião do sepultamento, mas Jesus não estava lá. Viram e creram, e voltaram para casa.

Maria Madalena ficou perto do túmulo, do lado de fora, chorando. Enquanto chorava, inclinou-se para olhar dentro do túmulo. Enxergou dois anjos, sentados onde tinha sido posto o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés. Perguntaram-lhe: “Mulher, por que choras?”. Ela respondeu: “Levaram o meu Senhor e não sei onde o colocaram”. Dizendo isto, Maria virou-se para trás e enxergou Jesus em pé, mas não o reconheceu. Jesus perguntou-lhe: “Mulher, por que choras? Quem procuras?”. Pensando que fosse o jardineiro, ela disse: “Senhor, se foste tu que o levaste, dize-me onde o colocaste, e eu irei buscá-lo”. Então, Jesus falou: “Maria!”. Ela voltou-se e exclamou: “Mestre!” Alegre, ela buscou tocar Jesus, que lhe disse: “Não me segures, pois ainda não subi para junto do Pai. Mas vai dizer aos meus irmãos: subo para junto do meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”.

Então, Maria Madalena foi anunciar aos discípulos: “Eu vi o Senhor”, e contou o que ele lhe tinha dito (cf. Jo 20, 1-18). Ela penetrava no íntimo da fé: o Senhor ressuscitou.

Revelou ao mundo um novo mundo: Cristo ressuscitou! Esse anúncio não proveio de descoberta intelectual, ideológica, e crer nele exige entrar no mistério. Assim expressou Francisco: “Entrar no mistério significa capacidade de espanto, contemplação; capacidade de escutar o silêncio e escutar o murmúrio de um fio de silêncio sonoro no qual Deus nos fala. Para entrar no mistério é preciso humildade, a humildade de abaixar-se, de descer do pedestal de nosso orgulhoso eu. É preciso o rebaixamento que é impotência, esvaziamento das próprias idolatrias.

Tudo isso nos ensinaram outras mulheres discípulas de Jesus (cf. Lc 24, 1-8). Com Maria Madalena elas passaram a noite em vigília, bem cedinho, saíram levando perfumes e com o coração ungido pelo amor. Saíram e encontraram o sepulcro aberto. E entraram. Vigiaram, saíram e entraram no mistério. Não podemos nos confrontar com o evento da ressurreição racionalmente. Ele somente pode ser contemplado e experimentado participando de sua potência de atração que toca o íntimo. Isto ensinam as mulheres, que não buscam entender, mas se deixam agarrar, entram no mistério”.

João Paulo II ressaltou a importância das mulheres na própria missão de Cristo e da Igreja e, de modo especial, à função peculiar, à função de Maria Madalena, a primeira testemunha que viu o Ressuscitado e a primeira mensageira que anunciou aos apóstolos a ressurreição do Senhor. Santa Maria Madalena é apresentada como um exemplo de “verdadeira e autêntica evangelizadora”, que anuncia a “alegre mensagem central da Páscoa”. Francisco quer significar a relevância desta mulher que mostrou um grande amor e foi tão amada por Cristo. Fazia parte dos discípulos de Jesus, havia-o seguido até aos pés da cruz e, no jardim onde se encontrava o sepulcro, tinha sido a primeira testemunha da ressurreição, testemunha da divina misericórdia.

O decreto que insere a memória de Maria Madalena na liturgia como dos apóstolos encontra a explicação no atual contexto eclesial, que convida a refletir mais profundamente a dignidade da mulher, a nova evangelização e a grandeza do mistério da misericórdia divina. Esperamos redescobrir na Igreja latina Maria de Mágdala evangélica, discípula de Jesus, testemunha da ressurreição e, por isso definida por Francisco “apóstola da nova e grande esperança”.

Pe. José Artulino Besen