MONSENHOR HUBERTO OHTERS

Monsenhor Huberto Ohters em 1936

A Igreja catarinense muito deve aos “Três Monsenhores” de São Ludgero: Frederico Tombrock, Francisco Xavier Giesberts e Huberto Ohters”. Alemães da diocese de Münster, foram incansáveis no atendimento pastoral e no serviço à Igreja diocesana. Sua vinda foi fruto de outro grande animador missionário, Mons. Francisco Topp.

Huberto Ohters nasceu em 03 de julho de 1867 em Weseke, Westfália, Alemanha, e foi ordenado presbítero em Münster em 1º de março de 1893. Após trabalhar em sua diocese, por convite de Pe. Topp chegou ao Brasil em 1897, com autorização de Hermanno, bispo de Münster, datada de 8 de fevereiro de 1897 subordinando sua ação pastoral ao Pe. Topp;

Em 25 de maio de 1897 foi nomeado vigário cooperador de Nossa Senhora do Desterro, Florianópolis e, no dia 28 de maio vigário encarregado de São Miguel Arcanjo, Biguaçu. Praticamente, o trabalho abrangia a Ilha de SC e os municípios de Ganchos e Biguaçu. Em 13 de junho de 1898 passou a vigário cooperador de Nossa Senhora da Piedade, Tubarão, até 1902 atendendo São Ludgero.

Aguardava-o uma grande missão: de 17 de fevereiro de 1902 a maio de 1919 foi pároco de São Pedro de Alcântara, a partir de 14 de fevereiro de 1903 acumulando com a missão de vigário encarregado de São Miguel Arcanjo, Biguaçu. Em carta em 18 de setembro de 1903, de São Pedro, escreve a Dom José, bispo de Curitiba: tinha visitado 7 vezes a paróquia de São Miguel, mas estava achando difícil continuar: 6 léguas a São Miguel, 11 léguas a Ganchos. São Pedro tem 5 capelas e 10 escolas paroquiais, pois abrange todo o Alto Biguaçu (hoje Antônio Carlos). Pede que encarregue de São Miguel o pároco de São José, Manfredo Leite. Atendendo ao pedido, em 16 de outubro de 1903 São Miguel foi anexada a São José.

A paróquia de São Pedro era constituída por descendentes dos primeiros imigrantes alemães de Santa Catarina. Muito deles, em busca de melhores terras e de fontes de água para movimentarem engenhos e moinhos, desceram para o Alto Biguaçu e ali fundaram comunidades fervorosas: Louro, Santa Maria e Rachadel. Nessa última, Pe. Ohters assistiu ao matrimônio de meus avós paternos, João e Catarina. Foi Pe. Ohters que, com seu zelo e virtude, deu a essas comunidades uma vivência de fé e de espírito eclesial cujos frutos sentem-se até nossos dias. O preço eram as viagens a pé, a cavalo, de charrete, com sol ou com chuva, não só para as Missas, mas também para os enterros e doentes.

No Sul catarinense – Igreja e vocações

De maio de 1919 a 08 de dezembro de 1940 foi provisionado vigário cooperador de São Ludgero, onde teve a companhia do grande apóstolo Pe. Frederico Tombrock. Aklém de todo o trabalho pastoral de visitas às capelas, nos 20 anos ali vividos, Pe. Huberto Ohters foi o grande colaborador, amigo e confidente de Dom Joaquim. Consumiu sua vida e saúde pelo bem da Igreja.

Uma das grandes preocupações e carência da Diocese de Florianópolis era a falta de um Seminário. Os padres de São Ludgero, por iniciativa do Pe. José Sundrup, tinham fundado um em 1919. Tudo muito precário.

Em carta de 18 de novembro de 1923, Dom Joaquim o encarrega de estudar a situação do Seminário Menor em São Ludgero. O edifício foi erguido por Pe. Ohters às próprias custas. Pe. Ohters escreve, desolado, em 10 de dezembro de 1923: não há mais alunos, não por falta de vocações, mas por falta de meios. Fala da dificuldade dos pais e párocos em enviar os candidatos a São Leopoldo, de modo que diversos meninos são enviados aos franciscanos de Rio Negro e outros aos dehonianos de Taubaté. A saída do Pe. Sundrup para o Rio foi grande prejuízo. E assim, dos 5 alunos, ficou com nenhum.

Em 30 de agosto de 1924, Pe. Ohters recebeu a missão de Visitador Diocesano no Norte do Estado (Itaiópolis, Mafra, Iracema, Canoinhas e Porto União), para Crismas e outros sacramentos, podendo dar dispensas. Os recursos seriam destinados ao Seminário e Óbolo de São Pedro. Em 14 de fevereiro de 1925, sai a provisão de Procurador do Seminário com o fim principal de constituir o patrimônio do mesmo. Pe. Ohters assume o trabalho com entusiasmo, anima os párocos.

Em 11 de dezembro de 1925 escreveu a Dom Joaquim: visitou por 2 meses as paróquias do Sul. Dificuldade nas paróquias italianas, por não saber falar essa língua. E observa que “os italianos não têm muito interesse por coisas fora de suas comunidades, não tendo em vista o bem comum da Igreja”.

Foi a São Pedro de Alcântara, que tinha sofrido com o último vigário (acusado de queimar o arquivo paroquial) e teve calorosa recepção, recebendo 4:056$400). Sugeriu a elaboração de listas para serem entregues às famílias. Funcionou bem. Esteve também em Angelina, Santo Amaro, São José, Florianópolis e Laguna, coletando 3:416$016.

Pe. Ohters reúne os colonos, anima-os na idéia do patrimônio e já os incentiva continuarem a colaborar quando o Seminário for fundado (o que aconteceu em 1927). Alguns padres dizem que não podem ajudar muito, pois precisam construir ou reformar matrizes e capelas. Os mais entusiastas: Braço do Norte e São Pedro. Mas, o Seminário é a obra principal. O que adiantam as belas igrejas, sem padres?, pergunta.

Em 2 de fevereiro de 1926, escreveu ao Bispo que de Forquilhinhas 5 moços foram para o Rio Negro e 4 para Brusque, onde há 35 seminaristas.. Com as despesas com esses 9 alunos, pouco podem ajudar o Seminário. Se a diocese não subvencionar os seminaristas, no futuro terá somente vocações para os religiosos. O povo manda seus filhos aonde já conhece.

Em 1926 Pe. Ohters enviou listas a todos os vigários do Estado, tendo pessoalmente visitado Azambuja, Urussanga, Cocal, Criciúma, Araranguá, Tubarão, Laguna, Florianópolis, São Pedro, Angelina, Santo Amaro, São José. O de Orléans nem quis a visita. Em 11 de fevereiro de 1926, o Patrimônio arrecadado alcançara 21:390$520. Pe. Ohters envia relatório pormenorizado, paróquia por paróquia., com as receptivas cartas e explicações dos párocos e capelães.

No clima de confiança que reinava entre eles, em 22 de fevereiro de 1926 Dom Joaquim pediu a Pe. Ohters opinião a respeito do desejo dos dehonianos de abrirem um noviciado em Forquilhinhas. Em 8 de março de 1926 Pe. Ohters responde que “não é conveniente: os religiosos pensam apenas em suas preocupações e Forquilhinhas nada ajudou com o Patrimônio. No Brasil já se comenta que Santa Catarina tem vocações e assim as congregações querem paróquias por aqui para terem vocações. Mas, pondera, se não temos seminário, melhor assim, caso contrário as vocações se perderiam”.

Já criado o Seminário em Azambuja (1927), continua o trabalho. Em 1931 realizou visita, com a mesma finalidade, em Teresópolis e Alto Capivari. Há agora a necessidade de auxiliar também o Seminário Pio Brasileiro em Roma.. Em 4 de março de 1931 Pe. Ohters responde que o tempo não é favorável: as colônias vivem muita pobreza: seca, preços baixos.. Dom Joaquim não se convenceu e escreve aos vigários para colaborarem com o Seminário Brasileiro.

Pe. Ohters visitou Urussanga, Cocal, Criciúma, Nova Veneza, Araranguá e Turvo: recebeu para o Seminário 8:119$300. A visita foi prejudicada pelo tempo chuvoso. O total da visita de Crismas deu para o Seminário em Roma 18:260$300, entregues em 8 de outubro de 1931. Houve, depois, novas doações. Deve-se ao espírito de Dom Joaquim a importância do Pio Brasileiro em Roma (fundado em 1934). Praticamente desde sua fundação a Arquidiocese sempre teve – e tem – seminaristas lá estudando.

Em 1931, Dom Joaquim conferiu-lhe o título de Monsenhor.

Preocupação com o presbitério

Em 10 de fevereiro de 1932 recebeu do Arcebispo o encargo de visitar Pedras Grandes, após denúncias de que o Vigário tinha comprado fazenda, aberto casa de negócio e iria abrir um açougue, etc.. Pe. Marangoni, o acusado, respondeu que o de Araranguá (Pe. Casale) fazia o mesmo. Avaliação do Pe. Ohters: o problema dos dois é a cobiça.

No Retiro do Clero de 1934 falou-se da criação de uma Irmandade ou Associação de entre-ajuda financeira para o Clero. Dom Joaquim consultou Mons. Ohters. Esse respondeu em 5 de abril de 1934: ela existe em Münster. Cada padre deve pagar certa quantia. Em caso de doença ou de idade avançada, terá direito a uma pensão até o fim de seus dias. Cada um se vira por si, pois a vida em comunidade de padres velhos ou doentes sempre tem seus grandes incômodos. Mons. Ohters pondera que na diocese de Münster chegam padres já idosos ou doentes e que nela também há o mesmo caso. Como então fundar uma Associação que funcione? Como o Arcebispo insistisse, em 22 de abril Monsenhor tornou ao assunto, lembrando que os religiosos também deveriam contribuir, pois estão em grandes paróquias.

Obedecendo a Dom Joaquim, Mons. Ohters elabora um Regimento dessa Associação, a que denomina “Confraternidade”. Faz um histórico da experiência alemã, com clero subsidiado pelo Estado e propõe, concretamente, um caminho de arrecadação que supõe três fontes: os paroquianos, os párocos e os coadjutores, cada um com um percentual. Para o capital inicial propõe uma rifa e somente se pagariam as pensões com os juros do ano anterior.

Devido à complexidade da iniciativa, parou-se por aqui. O tema voltou na década de 1960, quando foi criado, em âmbito nacional, o Instituto de Previdência do Clero-IPREC, de breve existência.

No final de uma vida com tanta dedicação ao seminário, Mons. Ohters dispôs em Testamento assinado e registrado em 5 de maio de 1935, a doação de seus bens: 1) sua valiosa coleção de selos (15.500) para o Seminário Menor, com a condição de auxiliar os seminaristas da paróquia de São Ludgero; 2) a importância de 16:000$000 ao Hospital de Caridade de Tubarão, com a condição  de anualmente pagar 800$000 ao pároco de São Ludgero para auxiliar os seminaristas residentes na paróquia.

Também para a criação de paróquias Dom Joaquim pediu-lhe conselho. Assim, em 4 de agosto de 1937 lhe escreveu pedindo um croquis com os limites das projetadas paróquias de Grão Pará e de Armazém ou Gravatá, e do aumento da paróquia de São Ludgero. No final do mês Mons. Ohters enviou um minucioso plano, com limites, capelas, sede, habitantes. Sugeriu Armazém como sede, que será a escolhida e onde assumiu Mons. Giesberts. Em 27 de agosto de 1940 Dom Joaquim pediu mais algumas sugestões sobre futuras paróquias. As respostas foram sempre sábias e acolhidas.

Os últimos tempos de Monsenhor

Já velho, outro compromisso: em 18 de março de 1938 é nomeado Diretor Presidente da Comissão Arquidiocesana do Óbolo de São Pedro, para percorrer, por si, ou por outros, todas as matrizes, capelas, oratórios públicos e semi-públicos da Arquidiocese, a fim de motivar a população. Não se furtou ao trabalho, já adoentado: em 1939 esteve bastante doente, mas se recuperou.

Dom Joaquim sentiu profunda dor quando, em 8 de dezembro de 1940 recebeu a notícia do falecimento de Mons. Huberto Ohters.. Estava com 73 anos de idade, 43 deles em terra catarinense. Perdia um amigo e conselheiro marcado pela nobreza e dedicação eclesial até o último instante. Através do Secretário, Diácono Roberto Wyrobek, Dom Joaquim pediu às Irmãs do Colégio paroquial de São Ludgero informações sobre as últimas horas de Monsenhor, afirmando: “foi um exemplo de verdadeiro padre: negativamente, viveu e morreu sem pecado, sem dinheiro e sem dívidas. Positivamente: vida intensa de trabalho, em dedicação, em boas obras. Destas, o amor pelo Seminário e pelo Óbolo de São Pedro”.

Atendendo a seu pedido, em 12 de dezembro a Irmã Diretora dá preciosas informações também para nós hoje e que resumimos: no dia 7 de dezembro, os dois Monsenhores, apesar do calor, passaram quase o dia todo no confessionário. Depois da meia-noite, Mons. Ohters bate à porta da casa das Irmãs, com lanterninha nas mãos. Entra e senta-se no corredor, pedindo remédio para febre. Sentia sede devoradora. Tomou duas Instantinas e suco de limão. Voltando ao quarto, sentia muita fraqueza. No dia 8 de manhã sentia-se bem melhor. Disse: “Estou tão contente, não sinto mais nada, só não posso me levantar”. Não aceitou médico. A febre reapareceu a 39º. Arrumou-se condução para levá-lo a Tubarão após o meio-dia. Pelas 15h chegaram ao Hospital e dois médicos não pouparam esforços. Pelas 15:30h, após receber a Extrema-Unção, sem nenhuma agonia, nenhuma palavra, exalou o último suspiro. A Irmã narra também a dor de Mons. Tombrock pela perda do companheiro de 20 anos.

Pelas 10h do dia 9 chegou o féretro e um abatido Mons. Tombrock fez a encomendação. Multidão de povo. Devido ao calor, o ataúde foi fechado às 15h, quando teve início a cerimônia com o canto do Miserere. No cemitério, Mons. Giesberts exaltou as virtudes do abnegado Monsenhor, modelar sacerdote e apóstolo da Igreja. Grande graça a sua, de ir para Deus na festa da Imaculada Conceição.

Pe. José Artulino Besen

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