1. A contemplação

Germano (companheiro de Cassiano) perguntou: “Quem, vivendo nessa carne, pode ter a mente sempre unida a Deus, sem nada mais pensar, nem visitar os doentes, nem acolher os hóspedes, nem o trabalho manual ou as necessidades do corpo, necessárias e inevitáveis? Enfim, como a mente do homem poderá sempre ver o invisível e inefável Deus, e jamais dele ser separada?” O Abbá Moisés disse: “Ver sempre Deus e nunca estar separados dele no modo que pensais é impossível ao homem revestido de carne e frágil, mas, de outra maneira é possível ver Deus, pois a contemplação de Deus é entendida e concebida de muitos modos. Deus, realmente, não é conhecido somente em sua essência bem-aventurada e inefável; isso está reservado somente aos santos, no século futuro. Deus também é conhecido a partir de sua magnificência e da beleza de suas criaturas, de seu governo e de sua providência que todo dia são exercitados, da justiça e das maravilhas que ele revela a seus santos em cada geração. Quando pensamos em seu imenso poder, em seu olho vigilante que vê os segredos dos corações e do qual nada escapa, com o coração cheio de temor, o admiramos e adoramos. Quando pensamos que ele conta as gotas da chuva (Jó 36,37), a areia do mar e as estrelas do céu, somos tocados pela grandeza da natureza e da sabedoria. Quando pensamos na sua indizível e inefável sabedoria, na sua bondade e na sua inconcebível paciência, que suporta as inumeráveis quedas dos pecadores, damos-lhe glória. Quando pensamos no grande amor que teve por nós dignando-se a fazer-se homem, ele, que é Deus, para salvar-nos do erro, sem que tivéssemos feito nada de bom, somos levados a desejá-lo. Quando pensamos que, após ter vencido em nós nosso adversário o diabo, graças somente à vontade e à inclinação ao bem é-nos dada a vida eterna, prostramo-nos diante dele. Existem ainda inumeráveis formas de contemplação que surgem em nós proporcionalmente ao nosso modo de viver e à nossa purificação, graças às quais Deus é visto e conhecido”.

Cassiano o Romano,
A Leôncio higúmeno, vol. I, pp. 83-84

Irmãos, sejam guia de toda contemplação espiritual fé, esperança e caridade, acima de tudo a caridade (cf. 1Cor 13,13). As primeiras nos ensinam a desprezar os bens visíveis; a caridade une a alma às virtudes de Deus, procurando os sinais do invisível com o sentido espiritual.

Diádoco de Foticéia,
Discurso ascético I

Não há agir seguro sem contemplação, nem contemplação verdadeira sem o agir. É preciso que o agir seja conforme a razão e a contemplação conforme ao agir para que, de um lado, o mal fique sem força, de outro, a virtude seja forte no realizar-se no bem.

Elias Presbítero,
Capítulos gnósticos 37

 

A meu ver, as contemplações espirituais são oito. Sete pertencem a este mundo; a oitava é a atividade do mundo futuro, conforme diz Santo Isaac. A primeira é dada pelo conhecimento das tribulações e das tentações dessa vida, como diz São Doroteu. Ela nos entristece por todo dano que a natureza humana padeceu por causa do pecado. A segunda é dada pelo conhecimento de nossas quedas e dos benefícios de Deus, como dizem Clímaco e Santo Isaac, e muitos outros pais. A terceira é dada pelo conhecimento dos sofrimentos antes e depois da morte, como nos é dito nas Santas Escrituras. A quarta é dada pela consideração da vida neste mundo de Nosso Senhor Jesus Cristo e pelas palavras e obras de seus discípulos e dos outros santos, mártires e santos pais. A quinta é dada pelo conhecimento da natureza e da transformação das coisas, como dizem os santos pais Gregório e Damasceno. A sexta é dada pela contemplação dos seres, ou seja, do conhecimento e da consideração das criaturas sensíveis de Deus. A sétima é dada pela consideração das criaturas espirituais de Deus. A oitava é o conhecimento relativo a Deus, chamado teologia.

Pedro Damasceno,
Livro I, vol. III, pp. 32-33

 

Quem é cego diante do Uno, é inteiramente cego diante do tudo. Mas, quem olha o Uno contemplando tudo e, mesmo ocupando-se em contemplar todas as coisas, passa a contemplar tudo e está fora das coisas contempladas. Estando no Uno, vê tudo, e estando em tudo, nada vê de tudo. Quem olha no Uno, através do Uno vê-se a si mesmo, tudo e cada um e, estando escondido nele, não vê nenhuma de todas as coisas.

Simeão o Novo Teólogo,
Capítulos práticos e teológicos 35

 

A vida contemplativa é companheira da oração sacra e é constantemente alimentada junto com ela. Ambas são brotos da parte espiritual da alma caros a Deus e deificantes; por isso, trata-se de duas obras normalmente inseparáveis numa alma carregada e trabalhada por Deus. A unidade da contemplação e da oração, pelo que se disse, é tal que as duas são aproximadas e definidas pelos pais prática e contemplação da mente. … Por isso, a mente é chamada pelos pais de um pássaro sem asas quando ora sem a potência contemplativa, pois ela não se eleva para Deus seguindo as próprias disposições e não se distancia completamente das coisas terrenas para aproximar-se das celestes com toda a força de sua alma.

Calixto Patriarca,
Capítulos sobre a oração 19

 

O contemplativo extrai a alegria que vem da parte boa (cf. Lc 10,42) relativa à verdadeira contemplação exercitando-se no silêncio e contemplando Jesus. O ativo se preocupa e se agita com muitas coisas (cf. Lc 10,41), para recitar salmos, ler, fadigar o corpo, pois não saboreou esta alegria e a ignora, e às vezes reprova como preguiçosos e indolentes no dever aqueles que fizeram alçar vôo sua faculdade espiritual entre as realidades espirituais e que estão com os seus sentidos entre as realidades invisíveis; delas ocupar-se é um gozo indizível e nelas repousar-se é uma alegria inefável. … O Senhor louva e acolhe Maria que estava sentada a seus pés (cf. Lc 10,42), que se nutria da contemplação das suas palavras e conservava atento o próprio homem interior para compreendê-las. Não louva do mesmo modo, porém, Marta, se bem que se preocupasse e se agitasse por muitas coisas (cf. Lc 10,41), como se narra nessa passagem. E, deste modo, o Senhor não se limitava a admoestá-las sobre o que é melhor, mas também ensinava a todos os homens não só a não acusar de ócio aqueles que querem contemplar e que se dedicam a isso, mas também a louvá-los e a esforçar-se por imitá-los no quanto é possível.

Calixto Patriarca,
Capítulos sobre a oração 51

 

A multiplicidade das coisas procede do Uno, mas o Uno não procede da multiplicidade das coisas. Ora, a multiplicidade das coisas constitui a criação, portanto, a criação procede claramente do Uno e o Uno está acima da criação enquanto criador e demiurgo. A contemplação de quem vê a criação como se deve inevitavelmente desembocará na contemplação do Uno que está além deste mundo. Já que nas criaturas se encontram inumeráveis ecos de quem as criou e, através delas, se reconhece aquele que com arte e sabedoria, potência e bondade providencialmente trouxe-as à existência conforme quis. Por isso, Isaías diz no Espírito: Levantai os olhos para o alto e contemplai quem criou todas essas coisas (Is 40,26). Dizendo “todas essas coisas”, indica as muitas realidades criadas, dizendo “quem”, faz a mente se elevar àquele do qual  provém estas coisas, que é simplesmente e por natureza Uno.

Calixto Catafugiota,
A união divina 14

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