Santo para o nosso tempo.
Em 1º de julho o Papa Francisco anunciou a canonização de cinco Bem-aventurados para o dia 13 de outubro, dentre eles a Irmã Dulce dos Pobres, a humilde religiosa dos Alagados de Salvador, e o grande convertido, teólogo e filósofo inglês do século XIX, John Henry Newman.
Uma criança, encantada com a figura do Cardeal Newman, lhe perguntou: “Quem é maior, um cardeal ou um santo?” Newman respondeu: “Veja, meu pequeno, um cardeal pertence à terra, é terrestre; um santo pertence ao céu, é celeste”. O postulador da causa de canonização concluiu: “de uma parte existe a atenção do cardeal pela santificação diária, a santidade simples dos pequenos gestos, mas, de modo radical há a ideia de que a realidade verdadeira é aquela celeste”. Numa pequena reflexão sobre a criança, Newman escreveu que a criança “saiu das mãos de Deus com todos os ensinamentos e conhecimentos do Paraíso há pouco impressos nela”.
Por muitos, Newman é considerado um dos maiores prosadores ingleses, o maior apologista da fé católica nascido na Grã Bretanha e dos mais importantes na história do Cristianismo. Seu arquivo pessoal, guardado no Oratório em Birmingham, conserva 37 tomos versando sobre teologia, filosofia, literatura, história, espiritualidade, e 70 mil cartas. Tinha convicção de que as cartas também eram um meio de fazer apostolado. Sua obra inclui também a fundação da Universidade Católica de Dublin, de que foi Reitor.
A “consciência” é o primeiro vigário de Cristo no homem, definiu esse homem que fez dela o grande tema de seu pensamento, sendo esse o grande mérito: a consciência é o tribunal do homem, é o tribunal que ninguém pode violar. A reflexão de Newman teve ressonância no Concílio Vaticano II, nos grandes temas da liberdade religiosa, liberdade de consciência, diálogo religioso e ecumênico. Sua visão de Igreja estava profundamente radicada na história humana, no compromisso com os pobres.
John Henry Newman pertencia a uma família de religião anglicana, e nasceu em Londres em 21 de fevereiro de 1801. Seu pai John Newman era banqueiro, enquanto que a mãe Jemina Fourdrinier descendia de família huguenote. Sua mãe a avó materna nele incutiram forte religiosidade, já o pai tinha mais interesse no teatro e na música.
John Henry recebeu ótima educação na escola de Ealing, perto de Londres e ali sob o influxo de um pastor, em 1816 aderiu ao Cristianismo reformado a que ele chamou sua “primeira conversão”. No mesmo ano, o banco de seu pai faliu por causa das guerras napoleônicas e o jovem Newman contraiu uma doença grave, que mais tarde qualificou como providencial. Em sua posição religiosa protestante, chegou a crer que o papa era o anticristo.
Em 1817 ingressou no Trinity College de Oxford, marcando pela vivacidade, criatividade e inteligência. Em 1824, decidido a seguir carreira eclesiástica foi ordenado diácono e no ano seguinte, presbítero, recebendo como primeiro encargo a paróquia de St. Clement.
Newman conheceu em Oxford o grupo de teólogos liberais que procuravam explicar racionalmente os dogmas e a fé cristã. Mas depois, foi instruído por teólogos que lhe falaram do valor da Igreja visível, do valor dos sacramentos, de modo especial da sucessão apostólica. O tema da fé e a sucessão apostólica, a visibilidade da Igreja marcavam sua preocupação.
No final de 1827, sofreu uma espécie de colapso nervoso, causado por excesso de trabalho e problemas econômicos da família, ao que se somou a súbita morte de sua irmã caçula. Pouco tempo depois, nas férias de 1828, começou a ler as obras dos Padres da Igreja.
Entrou no Movimento de Oxford, que tentava mostrar que a Igreja Anglicana descendia dos apóstolos. Isso fez com que ele refletisse sobre a Igreja, posição mais próxima à comunhão com Roma. Quanto mais aprofundava o conhecimento da doutrina católica, mais sentia-se distante da doutrina anglicana.
Em 1842, retirou-se para a cidade de Littlemore onde, como um monge austero, levou vida comum com um pequeno grupo de seguidores. Em 1843, retratou-se formalmente de suas declarações contra a Igreja Católica. Em setembro do mesmo ano, pregou seu último sermão como anglicano. Dois anos depois, em 1845, converteu-se ao Catolicismo.
Introduziu no livro Ensaio sobre o Desenvolvimento da Doutrina Cristã, escrito em 1845, a ideia do desenvolvimento da doutrina para defender a doutrina católica de ataques e críticas feitas por alguns anglicanos e protestantes, que achavam que alguns elementos da doutrina católica eram corrupções ou inovações contrárias aos ensinamentos de Jesus Cristo. Esse desenvolvimento foi, em sua opinião, a consequência natural e benéfica do estudo e reflexão da razão humana sobre a Revelação divina, que é imutável. Ele defendeu que este estudo teológico levou a Igreja Católica a perceber progressivamente certas realidades reveladas e que antes não tinha compreendido explícita e totalmente. Joseph Ratzinger (Bento XVI) salientou que “a concepção de Newman sobre a ideia do desenvolvimento marcou o seu caminho rumo ao Catolicismo. Contudo não se trata apenas de um desenvolvimento coerente de ideias. No conceito de desenvolvimento está em jogo a própria vida pessoal de Newman, […] a própria experiência pessoal de uma conversão jamais concluída.” Ratzinger afirmou ainda que, com esta concepção teológica, Newman “ofereceu-nos a interpretação não só do caminho da doutrina cristã, mas também da vida cristã”.
Da fé no Deus vivo à fé católica
A conversão à fé no Deus vivo é a primeira conversão de John Newman. Até aquele momento, ele pensava como a média dos homens do seu tempo e como a média dos homens também de hoje, que não excluem pura e simplesmente a existência de Deus, mas consideram-na em todo o caso como algo incerto, que não tem qualquer função essencial na própria vida. Como verdadeiramente real apresentava-se lhe, a ele como aos homens do seu e do nosso tempo, o empírico, aquilo que se pode materialmente agarrar. Esta é a “realidade” segundo a qual nos orientamos. O “real” é aquilo que se pode agarrar, são as coisas que se podem calcular e pegar na mão.
Ratzinger comenta que, em Newman, a força que impelia pelo caminho da conversão era a consciência. Para ele, “consciência” significa a capacidade de verdade do homem: a capacidade de reconhecer, precisamente nos âmbitos decisivos da sua existência – religião e moral –, uma verdade, a verdade. E, com isto, a consciência, – a capacidade do homem de reconhecer a verdade -, impõe-lhe, ao mesmo tempo, o dever de se encaminhar para a verdade, procurá-la e submeter-se a ela onde quer que a encontre. Consciência é capacidade de verdade e obediência à verdade, que se revela ao homem que procura de coração aberto. Podemos afirmar que a verdade é encontrada por quem a procura.
A conversão ao Catolicismo de 1845 exigiu-lhe o abandono de quase tudo o que lhe era caro e precioso: os seus haveres e a sua profissão (em Oxford), o seu grau acadêmico, os laços familiares e muitos amigos. A renúncia que a obediência à verdade, a sua consciência, lhe pedia, ia mais além ainda. Newman sempre estivera consciente de ter uma missão para a Inglaterra. Mas, na teologia católica do seu tempo, dificilmente podia ser ouvida a sua voz; era demasiado alheia à forma dominante do pensamento teológico e mesmo da devoção.
Em janeiro de 1863, escreveu no seu diário estas palavras: Como protestante, a minha religião parecia-me miserável, mas não a minha vida. E agora, como católico, a minha vida é miserável, mas não a minha religião.
Não chegara ainda a hora da sua eficácia, de sua aceitação. Na humildade e na escuridão da obediência, ele teve de esperar até que a sua mensagem fosse utilizada e compreendida. A “consciência” é a expressão da acessibilidade e da força vinculadora da verdade: nisto se funda o “seu” primado. Sua profunda afirmação: “Sem dúvida, se fosse obrigado a introduzir a religião nos brindes após um banquete (o que não me parece a coisa melhor), brindarei, se quiserdes, ao Papa; todavia, primeiro à Consciência, depois ao Papa”. Para ele era evidente: ao Papa pode ser dedicado o segundo brinde, porque a sua missão é exigir a obediência à verdade.
Fundou o Oratório de São Filipe Neri, na Inglaterra. Em 1879 o Papa Leão XIII criou-o cardeal, e escolheu como lema Cor ad cor loquitur (O Coração fala ao coração).
Morreu em 11 de agosto de 1890. No sermão fúnebre, o Cardeal Manning, também ele um convertido, falou: “Perdemos nosso maior testemunha da fé, e todos ficamos mais pobres e menores por essa perda”.
Passou mais de metade da existência no Oratório de Edgbaston (Birmingham). Viveu o sacerdócio católico celebrando os sacramentos, ensinando as orações, o catecismo, sendo notável pregador. O Cardeal Newman foi sempre manso e nunca atacou a fé católica e a fé anglicana. Sendo grande filósofo e teólogo, dedicou-se aos humildes, compondo e imprimindo orações, exortações, cartões devocionais. Socorreu os pobres, os empestados, sofrendo com eles os efeitos da revolução industrial.
“Ó meu Deus, eu creio que tu me amas
mais do que eu me amo a mim mesmo”.
Suas palavras expressam intensa piedade:
“Ó se pudéssemos ver as coisas
com tamanha simplicidade,
de sentir que a única coisa que temos de fazer
é agradar a Deus”.
Bento XVI o declarou bem-aventurado em 19 de setembro de 2010 em Birmingham, em sua viagem apostólica à Inglaterra.
O epitáfio que escreveu para o túmulo indicava o objetivo de sua vida e também a história de sua conversão:
Pelas sombras e pelas imagens, à verdade.
Pe. José Artulino Besen
#1 por Joao e Leda Vendruscolo em 8 de julho de 2019 - 17:46
Boa tarde, caro Padre José! *Bom mesmo termos* * Irmã Dulce reconhecida em grau de santidade!* *Grande Cardeal tb uma especial história para a Igreja* *Diác. JFV*
#2 por Ademar Arcângelo Cirimbelli em 9 de julho de 2019 - 17:18
Sempre aprendemos mais com o Padre José A. Besen. Obrigado!