PADRE CLEMENTE AUGUSTO BRÜNING

Pe. Clemente Augusto Brüning

Pe. Clemente Augusto Brüning

Clemente Augusto Brüning nasceu em São Ludgero em 3 de janeiro de 1903, filho de Reinaldo Brüning e de Isabel Rohden. Era irmão de Mons.Huberto Brüning, sobrinho do filósofo e padre Huberto Rohden e primo irmão de Dom Afonso Niehues, arcebispo de Florianópolis.

Vocacionado ao sacerdócio, estudou na Escola paroquial de São Ludgero, e Filosofia e Teologia no Seminário Provincial dos jesuítas de São Leopoldo, RS.

Em 1º de fevereiro de 1923, afirmando ser de família numerosa e pobre, expressou a Dom Joaquim Domingues de Oliveira a gratidão por S. Excia. ter assumido o pagamento das despesas. E escreveu que o bispo de Pelotas tem recolhido seminaristas de outras dioceses, pagando tudo, mas ele não gostaria de deixar a Diocese. A cada semestre Dom Joaquim recebia pedidos de dinheiro, a que atende, sempre dizendo que são proporcionais à qualidade moral e intelectual do Seminário.

Em 1927 eram 24 os seminaristas catarinenses em São Leopoldo, contudo, nesse ano, o Seminário inaugurado de Azambuja recebeu a turma dos menores.

Clemente sempre gostou de escrever e compor. Em 31 de julho de 1926, encaminhou a Dom Joaquim 5 poesias para serem cantadas na sua ordenação e pediu para publicar artiguetes. Dom Joaquim devolveu as poesias, julgando que eram muito boas. Repetiu em 1928, o pedido para publicar na imprensa católica. E, em setembro de 1928, encaminhou outros cantos para a apreciação do Arcebispo.

Em 9 de setembro de 1929, Clemente prestou o Exame de Universa Theologia, Moral e de Confissões, estando assim completados os estudos.

Finalmente, foi ordenado padre em 1º de dezembro de 1929, em São Leopoldo, por Dom João Becker, arcebispo de Porto Alegre e que fora o primeiro bispo de Florianópolis.

Primeiros passos no sacerdócio

De 1930 a 1935, Pe. Clemente Brüning foi diretor espiritual, prefeito de disciplina e professor no Seminário de Azambuja. Em inícios de 1930, adoeceu e tirou alguns meses de descanso em Vargem do Cedro, sendo bem acolhido pelas Irmãs Franciscanas. A doença será companheira de Pe. Clemente nesses primeiros anos.

Em 1934, adoeceu das vistas e teve de deixar de lado livros, jornais e revistas. Sentia continuamente fraqueza geral. Em carta de 13 de setembro, sugeriu outro local de trabalho, pois assim estava dando mau exemplo e não se atualizava. Em 1935, submeteu-se à cirurgia na garganta.

Em 14 de março de 1936, foi transferido para vigário cooperador da Catedral de Florianópolis para experiência, e recebeu provisão definitiva assinada em 19 de junho. Nova doença em 1936, com extração das amígdalas e, em Blumenau, faz cirurgia do nariz.

Dom Joaquim passou a desconfiar de Pe. Clemente, de seus contínuos pedidos de isenções, exceções. Isso se agravou em maio, quando Frei Evaristo Schürrmann escreveu ao Arcebispo uma carta meio enigmática,a respeito de Pe. Clemente, chamado de “pecador”.

Em 15 de julho de 1936, pediu autorização para publicar artigos na imprensa em geral e recebeu autorização por 2 anos. Pediu transferência e, em 1º de janeiro de 1937, foi nomeado Assistente eclesiástico do Círculo Operário Católico de Itajaí, ali fundado pelo Padre Brentano SJ. Foi bem acolhido e o Círculo alcançou 600 sócios inscritos. Missão dos Círculos era conhecer a doutrina social católica, a Rerum Novarum e a Quadragesimo anno. Produziu frutos notáveis e criou um novo ar na cidade. Em 22 de janeiro de 1937, foi nomeado vigário cooperador do Santíssimo Sacramento de Itajaí e de Nossa Senhora da Penha.

Misteriosamente, em 23 de janeiro de 1937, ao final do Retiro, prestou juramento de “nada ter tido nem ter no presente a alegar, deduzir ou afirmar contra qualquer de meus superiores jerárquicos, sobretudo os maiores, designadamente a pessoa do Exmo. e Revmo. Sr. Arcebispo Metropolitano”. Foram intrigas no corredor Itajaí-Florianópolis.

Em 8 de julho de 1937, querendo libertar-se da autoridade do pároco, escreveu a Dom Joaquim pedindo que desanexasse de Itajaí a paróquia da Penha e o nomeasse seu pároco. Estava iniciando a construção da casa paroquial e lançou a pedra fundamental de igreja em Piçarras: “A gente é dócil e, em geral, indolente e eivada de politicagem”. Dom Joaquim respondeu elogiando as obras, mas lembrando a necessidade de licenças por escrito. Quanto à desanexação, “este assunto, naturalmente é reservado à Mitra. Ela não deixará de proceder, oportunamente, como mais acertado julgar in Domino”.

Em busca de outro caminho

Em 16 de agosto de 1937, reiterou sua inteira boa vontade às ordens do arcebispo e acrescenta: “Sim, faça V. Excia. de mim o que quiser, pois isso será para mim a santa vontade do próprio Deus. Outra não quero. Se já tenho, infelizmente, dado provas de má vontade, quero agora reparar tudo. Digne-se V. Excia. humilhar o meu orgulho de modo como entender perante Deus”.

Mas, Pe. Clemente sofria no exercício do ministério, sofria a solidão o que levou-o a abandonar o ministério sacerdotal em 1939, e contrair matrimônio civil. Viveu décadas de trabalho, pesquisa, de busca de sentido para sua vida. Como acontecia com os padres “apóstatas”, isolou-se e foi isolado

Como memória desse período, escreveu Dr. João Alfredo Medeiros Vieira (AN 10 de junho de 2003):

“Nos longes de 1950, quando meus saudosos pais e os filhos ainda solteiros moravam na avenida Rio Branco nº 60, via-se, todos os dias, antes das oito horas da manhã, passar à frente de nossa casa, a fim de alcançar a esquina da rua Nereu Ramos, a 20 metros dali, e depois chegar ao centro da então pacata Florianópolis, a figura de um senhor de estatura média, magro, trajando terno escuro e gravata, óculos de aros grossos, cerca de 50 e poucos anos, cabelos ainda não de todo grisalhos, andar cadenciado, quase solene, pose que indicava reserva e formalidade. Trabalhava no escritório da firma Hoepcke, sita na rua Deodoro, percorrendo, a pé, o trajeto, quatro vezes por dia. Cumprimentado, limitava-se a um olhar quase de soslaio e leve inclinação de cabeça, retribuindo educadamente a saudação. Era nosso vizinho e chamava-se Clemente Brüning.

De outra parte, outrossim, ao longo do acidentado percurso de sua vida, mormente nas quase três décadas em que se viu sem o múnus pastoral, distante do meio a que se afizera e afeiçoara por fé e vocação, e de que o misterioso empecilho da força maior interior o afastara, certamente o consumia a profunda angústia do vazio existencial que perpassa os textos de suas “Reflexões” e de suas “Poesias”…”

De 12 a 18 de abril de 1957, a Federação Espírita Catarinense promoveu semana de estudos pelo centenário da publicação do Livro dos Espíritos de Allan Kardec e, da Comissão organizadora participaram importantes intelectuais de Florianópolis e o Professor Clemente Brüning. Homem de fé católica, de família católica de São Ludgero, ele não era feliz, pois rompera com quase todas as ligações de sua vida e formação e estava envolvido com o kardecismo.

Em busca do retorno

Em 17 de janeiro de 1969, o Núncio apostólico Dom Sebastião Baggio escreveu a Dom Afonso Niehues, tratando do caso do Pe. Clemente Brüning. Seguindo sugestão de Dom Afonso, afirma que pedirá à Sagrada Congregação da Doutrina da Fé, como primeiro passo viável, a absolvição das censuras em que incorreu e a admissão aos Sacramentos, nas condições habituais.

Pe. Clemente Augusto Brüning em Azambuja

Pe. Clemente Augusto Brüning em Azambuja

Em 18 de março de 1969, residindo um tempo em Azambuja, Pe. Clemente escreveu a Dom Afonso mostrando sua gratidão pelo que tem feito: “Jamais poderei agradecer ao Pai celestial, a Jesus e à Divina Mãe as inúmeras o poderosas graças que sobre este pobre e rebelde filho pródigo tem derramado durante tantos anos, repletos de infidelidades inomináveis!… Bondoso amigo Dom Afonso, não se esqueça de mim. Continue a orar ao Divino Coração de Jesus – o Bom Pastor – para que não venha a recair naqueles tremendos abismos infernais. … E queira, também adiantar, por mim, o melhor e humil­de reconhecimento a S. S. o Papa Paulo VI, bem como ao Emmo. Cardeal Penitenciário, pela nímia condescendência e grande presteza com que atendeu e solucionou o meu mais cruciante problema da vida!”

Em 1969 foi reintegrado à Igreja e, por intercessão de Dom Afonso Niehues, readmitido ao ministério sacerdotal. Generoso e preocupado com sua manutenção, em 1973 o Arcebispo obteve a inclusão de seu nome na lista dos padres idosos que recebiam auxílio mensal da Igreja alemã através do Adveniat.

Em 18 de junho de 1969, escreveu ao Arcebispo que sua mulher não se conformava com seu afastamento de casa, chorando quase dia e noite. Os familiares e outras pessoas começaram a inculpá-lo. Ela ameaça morrer. Assim, vê-se obrigado a retornar ao lar: “para mim mesmo se torna este desfecho profunda e indizivelmente doloroso – como, aliás, bem mereci, perante Deus”. Em 1982, com o falecimento da ex-esposa, obteve permissão para novamente celebrar a Missa.

Pe. Clemente, um homem inquieto

No período em que viveu afastado do ministério, residiu em Florianópolis e, nos últimos anos, em Barreiros, São José.

Em São Ludgero, encontrou muito apoio para seu retorno da parte de todos: bispo, padres, irmãos, parentes. Doravante quer dedicar seus derradeiros dias e anos ao incremento das Santas Vocações. Dom Frei Osório Bebber, bispo de Tubarão, de próprio punho escreveu convidando-o para residir na Casa do Bispo.

Escolheu a casa do irmão, em Armazém e, em 17 de setembro de 1983 estava no Sertão dos Corrêas, na casa do irmão Augusto. Escreveu a Dom Afonso que tem andado pelo Sul, tratando das vistas em Criciúma, estivera 32 dias internado em Tubarão devido a uma queda no paço episcopal, quebrando 4 costelas. Agora pensa em ensaiar “missa seca” (= missa ensaio), e também para retornar com Missa solene concelebrada em São Ludgero para dar testemunho do perdão efetivo, tanto de Deus como da Igreja.

Em 18 de outubro de 1983, descreveu a grande a alegria de “filho pródigo”: “E eu mesmo, humilde, cautelosamente, me sinto vibrar pela virtude do Espírito Santo no meu íntimo! Que bom que nós três (o Espírito Santo, Você e eu), com a graça de Deus, conseguimos realizar o que parecia impossível”.

Em 19 de dezembro de 1983 escreveu que estava melhorando dos nervos e também a vista. Tem ido a pé, poucas vezes, à Missa, mas recebe a Comunhão trazida em casa por Ministros. “Parece-me muito difícil voltar a celebrar a S. Missa. Além da falta de vista, sofro de constantes tonturas”.

Em 19 de fevereiro de 1984, está contente: melhoraram olhos, nervos e cabeça. Fez um estágio de cinco dias na residência episcopal, estudando a S. Missa e realizando “missas secas” com o auxílio do Pe. Agenor Brighenti, que o aprovou. “Acontece, a par disso, que estou passando por um notável incremento da Fé, Amor e Coragem. Não sei como agradecer-lhe toda bondade e apoio. É muito grande o nosso Papa! Perdão total para mim! Com que merecimento?!…”

Mas, já no mês seguinte seu estado de saúde é cada vez menos satisfatório, além de medo, nervosismo e falta de coragem. Falou a Dom Osório que não se sentia em condições de voltar a celebrar a S. Missa.

Em 12 de junho de 1984, com alegria comunicou que já celebrou 4 vezes com o Pe. José Franco. E gostaria de concelebrar com Dom Afonso, seus irmãos Augusto e Tabita, e Irmã Gerwiga do Hospital de Caridade. Em 13 de junho celebrou a 5ª. S. Missa, com renovado júbilo, humildade e gratidão.

Em 18 de junho de 1984, combinou com Dom Afonso para celebrar no dia 2 de julho. Fala que Pe. Anselmo Müller, vigário de São Ludgero, está com vontade de celebrar com ele, cum populo.

Em 30 de janeiro de 1985, combina que vai a São Paulo, na casa de Hélio Moura, para fazer cirurgia de catarata com nova tecnologia: laser.

Em 10 de maio de 1985 escreve que assistiu pesaroso a entrevista de Leonardo Boff na Bandeirantes. Tinha posição contrária a tudo o que indicasse Teologia da Libertação.

Em São Ludgero

Em 13 de março de 1986, a conselho do irmão Mons. Huberto Brüning, estava em São Ludgero, no Hotel Central de Dona Elisabete Werncke. Após três anos, achou melhor deixar Armazém, reclamando do calor, mosquitos, intoxicações, e Augusto e Maria estavam mais doentes do que ele. Na Casa Paroquial, o pároco Pe. José Kuntz disse que não havia condições econômicas para um 4º padre.

Sentiu muita alegria em 4 de junho de 1986: completava 83 anos e o dia do Batismo: Sine te, o Deus, nihil sum neque volo neque possum!

Escreve que gostaria de se encontrar com Dom Afonso, pessoalmente, para expor uma tese sob o possível título: Filosofia e Vida Cristã; ou, Minha Mentalidade no Mundo Moderno. Gostaria do apoio do primo Arcebispo para tudo resultar bem, inclusive perante a Santa Sé.

Não estava bem no Hotel: reclama da alimentação, do barulho, do Fórum, da música até madrugada. Nos parentes não há condições para residir. Na casa paroquial, disseram não havia lugar, se bem que Pe. José passasse a residir nas termas de Gravatal. A Comissão diz que lhe cumpre aguardar até a nomeação de novo pároco. Em setembro, achou melhor retornar ao irmão Augusto, em Armazém: ali o clima é mais seco e saudável.

Em 18 de agosto de 1987, Mons. Huberto Brüning estava em São Ludgero e escreveu a Dom Afonso reclamando da cabeçudice de seu irmão, pois, sendo o primeiro de 12 irmãos, acha que sempre manda e tem a última palavra. Fala de sua mania de tomar remédios, assim se intoxicando, e de sua fé no conhaque São João da Barra com água morna, o que acabou com seus intestinos. Que passa em frente à igreja e se esquece de ir à Missa.

São dois irmãos teimosos discutindo quem é menos teimoso. Na verdade, a esclerose se acentuava em Pe. Clemente, alternando momentos de lucidez com outros de pura fantasia.

Azambuja, seu último lar

Mons. Huberto sugeriu que Dom Afonso o recolhesse em Azambuja, o que aconteceu em 1987.

Pe. Clemente passou seus últimos anos no Seminário de Azambuja, mas não celebrava a S. Missa. Vivia escrevendo teses sobre o universo e que enviava ao Arcebispo.

Em 5 de junho de 1989, expôs a Dom Afonso seu trabalho que tinha como objeto a Criação Universal, sob o título provisório de Revelação Divina sobre a Criação do Mundo. Uma teoria elaborada durante 40 anos. Denominador comum: a própria Divindade, presente, sem cessar, no âmago do coração humano. “Pode-se afirmar sem exagero que todos os livros sagrados das grandes religiões, filosofias e ciências, de muitos milênios atrás, têm ensinado, peremptoriamente, a seus fiéis e asseclas que, no seio da Natureza, todos os seres, por ignorantes que sejam, estão indissoluvelmente interligados entre si, como entre Deus ou os deuses, não se podendo, sequer conhecer realmente a si mesmo nem realizar profundos conhecimentos em setor algum da existência”.

Segue sua teoria sobre o corpo físico onde, através de um cordão de ouro que leva ao cérebro e cerebelo que se amplia no hipotálamo, e leva, a seu modo, a comungar com todos os planos cósmicos e entidades ali existentes. Não há um só ponto sem um ser vivo e consciente. Os fenômenos de Involução e Evolução geram um mundo de maravilhas múltiplas e inefáveis, interligando o passado e o presente, a História com a Pré-História. Uma tese interessante, onde há mistura de cristianismo, espiritualismo e panteísmo.

Pe. Clemente vê a confirmação disso tudo em sua vida: como explicar seu Rejuvenescimento e sempre nas mãos de Deus? Mas encerra, dizendo que está cansado. Sua mente não é a mesma, continua irrequieto, pensando, buscando respostas.

Em 20 de outubro de 1990, faleceu no Hospital de Azambuja e foi sepultado no Jardim da Paz, em Brusque. Viveu longos 87 anos. Muito lutou e conservou a fé.

Pe. José Artulino Besen

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