PADRE OSVALDO PRIM

Padre Osvaldo Prim

Padre Osvaldo Prim

Foi em junho de 1957. Na capela do Sagrado Coração de Jesus, algumas velas quebravam a escuridão à espera da Missa. A Missa em Antônio Carlos, então distrito de Biguaçu, era às 6 da manhã e contava com meia dúzia de fiéis que a iniciavam rezando um terço do rosário que era de bom regime terminar antes da comunhão, seguida dos Atos de Fé, Esperança e Caridade.

Verdade é que naquela manhã/noite minhas irmãs Maria, Nesir e eu éramos os únicos fiéis. Iluminado por uma vela, o padre se achega e pede-me que o acompanhe à sacristia. Passa-me às mãos o livro de Cantos e Orações “Cecília”, já com a inscrição “Pertence ao José Besen”, e indica-me como o mais novo coroinha da capela. Em seguida, mostra no livro onde estavam as respostas latinas do rito litúrgico e que eu deveria decorar nos próximos dias e – milagre! – ordenou-me ser ajudante daquela Missa.

Evidente que a semi-escuridão não permitiria que vissem o vermelhão de minha face ajudando/atrapalhando aquela Missa. No final de tudo, na sacristia levei um bom pito: que da próxima vez eu soubesse responder melhor!

Assim era o saudoso Pe. Osvaldo Prim: repentino, imprevisível, emotivo, generoso, gritão. Minha vocação se manifestou olhando esse padre que, humanamente, tantas deficiências tinha para não atrair uma criança, mas cuja alma sacerdotal imantava os corações tocados pelo “Vem e segue-me”. Quando íamos para a escola, era grande nossa alegria em poder ver o Pe. Osvaldo encostado na porta da casa paroquial, sorridente, esperando que disséssemos “Viva Cristo!”, para ele responder, tantas vezes quantas fossem as crianças, “Rei!”. Se algum esquecesse, sorridentemente ele o chamava, sorridente aplicava-lhe um puxão de orelhas para extrair o “Viva Cristo!” a que respondia como se nada tivesse acontecido: “Rei!”. Seguia-se a pergunta “quem quer ser padre?”. Quase todos respondíamos “eu” e ele ordenava: “Vão ligeiro para a escola”. Perto do meio-dia, no retorno das aulas, a mesma cerimônia, tão original como se fosse a primeira vez. Para nós, crianças, era mesmo, pois sempre era motivo de alegria ver o padre e saudá-lo.

No ano seguinte, talvez pela primeira vez na vida, fomos colocados diante da técnica. Retornávamos da escola e Pe. Osvaldo mandou que entrássemos na casa paroquial. Admirados, contemplamos um aparelho misterioso. O padre pediu silêncio e apertou o botão do meio, que depois explicou-nos que era o “play”: para nosso espanto, daquela caixinha saía a voz dele dizendo, “crianças, bom dia”. Naquele dia, nós, antônio-carlenses, éramos apresentados ao gravador Geloso, uma maquineta que gravava e reproduzia nossa voz. Nos dias seguintes pudemos rever e ouvir o Geloso,, mas pouquinho, pois a bateria logo esgotava.

No mesmo ano, outra maravilha: a igreja adquiriu um Jeep em substituição ao aluguel de carroças, cavalos e charretes para conduzir o padre às capelas de Rachadel, Santa Maria, Louro, Egito e nas visitas aos doentes. A preciosidade foi trazida num FNM de meus tios Sebastião e Antônio Pauli. Estavam mortos de cansaço. Era meia-noite. Pe. Osvaldo não agüentava de emoção: fê-los descer o veículo, desencaixá-lo e dar a partida. E naquela mesma madrugada, Pe. Osvaldo quis aprender a dirigir. Nos dias seguintes, como menino maravilhado, ia da casa paroquial à capela do Sagrado Coração de Jesus de Jeep: 200 metros!

Assim era o querido Pe. Osvaldo Prim: entusiasmado, quase menino feliz, impliquento. Não perdeu o bom humor quando lhe arrumaram a primeira doméstica e ela disse que só sabia fazer feijão, carne de feijão, pirão de feijão e pão de milho. Pe. Osvaldo aceitou-a, pois sabia que poucas pessoas conseguiriam trabalhar com ele, agüentar suas explosões de ira por coisas conhecidas e desconhecidas.

Muitos anos depois, num período que passou em Azambuja, deu confusão no dia do exame: alunos reclamando e Pe. Osvaldo gritando. Pe. Reitor foi acionado: os alunos não entendiam o texto que Pe. Osvaldo escrevera no quadro e que deveriam copiar como trabalho de caligrafia…

Padre Osvaldo, uma vida pela salvação das almas

Pe. Osvaldo assistindo a um casamento em Itajaí - 1956

Pe. Osvaldo assistindo a um casamento em Itajaí – 1956

Filho de Nicolau Prim e de Emília Brüggemann, Osvaldo Prim nasceu em Vargem Grande, Santo Amaro da Imperatriz, em 16 de março de 1924, e foi ordenado presbítero no Santuário de Azambuja, Brusque em 8 de dezembro de 1953. Nos anos seguintes foi coadjutor (vigário paroquial) em Criciúma e Itajaí.

Em 12 de fevereiro de 1957, foi nomeado coadjutor de Biguaçu com residência em Antônio Carlos, encarregado de preparar a futura paróquia do Sagrado Coração de Jesus. Um posto desejado, pois seria pastor de um povo profundamente católico e que há anos desejava ter vida paroquial autônoma de Biguaçu, antecedida de anos dependente de São Pedro de Alcântara. Pe. Osvaldo sabia que deveria encontrar casa paroquial e, principalmente, planejar a construção de uma nova igreja matriz.

Faz tudo isso com muito ânimo: queria ser o primeiro pároco do Coração de Jesus. Inventou campanhas de tijolo, madeira, Livro de Ouro, que ele carregava por tudo quanto é rua, roça e casa, definindo ele mesmo a quantia a ser dada e, como agradecimento: “Não dá para dar um boizinho – ou um porquinho – também?”. Saía sempre no lucro e na felicidade.

Os colonos tinham o mau costume de ficar fora da igreja até a hora do “Ofertório”, à época o momento em que a Missa era pra valer, pois as leituras e serão eram para as mulheres. Pe. Osvaldo acabou com a história: criou uma procissão de entrada que rodeava toda a igreja, precedida pelas sinetas e ajuntava quem estivesse pela frente e, se algum saísse de novo à rua, alguém indicado por ele anotava os nomes que eram lidos no final da Missa: “Estão na rua, neste momento, os senhores…”. A receita funcionou.

No dia 19 de março de 1958, Dom Joaquim Domingues de Oliveira criou a paróquia do Sagrado Coração de Jesus no distrito de Antônio Carlos. Pe. Osvaldo estava realizado e redobrou o empenho pela construção de nova igreja. Mas, pobrezinho, no ano seguinte foi transferido para São Pedro de Alcântara, pois, em Antônio Carlos funcionaria o Pré-Seminário e Dom Joaquim tinha outros planos. Antônio Carlos recebeu as notáveis figuras sacerdotais do Pe. Alfredo Junckes e Pe. Vito Schlickmann.

Cheio de dor, obediente, em 22 de fevereiro de 1959, Pe. Osvaldo assumiu a tradicional paróquia de São Pedro. Seu zelo não conheceu esmorecimento, mas sua saúde sim: e naquilo que mais fere o coração humano, a fragilidade emocional e mental. No dia 15 de novembro de 1961, Pe. Osvaldo Prim visitava o corpo inocente de uma criança recém-falecida. A dor ao contemplar a família aos prantos, a menina morta foi-lhe insuportável. Perdeu o uso da razão e teve de ser internado no Hospital Psiquiátrico da Colônia Santana, à época com a fama de casa de doido, hospital dos loucos, onde algum tratamento era à base de choque elétrico. Viverá os anos de 1962-1964 ajudando como capelão em Itajaí e em 1964, como vigário paroquial de Nossa Senhora de Fátima, no Estreito. Alternava períodos de saúde entremeados com fases de debilidade emocional.

A alegria de ser padre

Nunca se deixou abater na felicidade e zelo sacerdotais. Quando seu rigor se materializava nuns bons gritos, o comentário “está doido”, “é lelé da cuca” não o derrotava. Pe. Osvaldo era feliz e consciente de seu dever.

Em 10 de janeiro de 1967 recebeu a provisão de pároco do Senhor Bom Jesus de Nazaré, na Palhoça. Modernizou e implantou as estruturas materiais da paróquia e, com recursos da Igreja alemã, construiu o Ginásio de Esporte “Palhoção”, cujo aluguel ajudava na manutenção paroquial. Muito lhe deve o catolicismo palhocense, que tinha a marca apostólica dos frades franciscanos que ali trabalharam por meio século. Um catolicismo piedoso, participativo, amigo da confissão. Sua grande preocupação, sempre: a salvação das almas. Ficava chocado e quase doente quando sabia que alguém tivesse morrido sem os Sacramentos: teria se salvado? Na mente sacerdotal de Pe. Osvaldo, era responsabilidade sua a salvação de cada paroquiano. No meio da noite acordava assustado e chorava ao pensar que teria esquecido algum doente.

Encontrou energias para preparar a criação da paróquia de São Judas Tadeu, na Ponte do Imaruim, desmembrada de Palhoça, da qual foi o primeiro pároco a partir de 15 de abril de 1983 até sua morte.

E sua vida paroquial foi vivida também num outro calvário: insuficiência renal, com as intermináveis hemodiálises semanais em Florianópolis. Não reclamava, pois queria viver e ser padre mais tempo. Faleceu em Ponte do Imaruim em 17 de dezembro de 1985, após uma vida de 61 amos, 32 anos de ministério, estando sepultado no cemitério de Palhoça.

Com muitos padres participando da Liturgia de Exéquias, contemplando seu corpo estendido no “Palhoção” pude agradecer a Deus pela pessoa do Pe. Osvaldo Prim, a quem devo o primeiro despertar para o sacerdócio. Foi o grande amigo das crianças “quem quer ser padre?” e era amigo dos padres. Pensando neles economizou o que pôde para deixar alguns bens para a “caixinha sacerdotal” de socorro aos padres doentes. Não precisava: seu tesouro foi sua vida de fé, generosa, orante, nervosa, de muitos achaques, humilde, humilhada, mas sempre grande figura sacerdotal. Teve tantos motivos para ser triste ou revoltado, mas teve todos os motivos para ser feliz: era padre.

Pe. José Artulino Besen

  1. #1 por Nicolau Steinbach em 15 de julho de 2010 - 20:33

    Sou sobrinho do Pe. Osvaldo, morei com ele durante dois anos em Palhoça e hoje moro em São Bento do Sul. Tem trechos de sua história que eu ainda não conhecia

  2. #2 por Vanilda Tenfen Medeiros Vieira em 26 de agosto de 2015 - 17:26

    Pe Osvaldo Prim, em Palhoça, pregou muito contra o aborto, a favor dos métodos naturais de controle da natalidade, divulgando a vida da médica italiana Gianna Beretta Molla. Apresentava um jornal alusivo e uma figura de Maria Santíssima grávida, com o ventre bem saliente…Foi a primeira vez que vi um desenho de Nossa Senhora “barriguda”. Eu que tive seis filhos, apreciava observar uma mãe de Deus tão humana…

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