PADRE CLÁUDIO JEREMIAS CADORIN

O anjo da humildade

Pe. Cláudio em Jacobina, em 14 de novembro de 1994, 15 dias antes do falecimento

Pe. Cláudio em Jacobina, em 14 de novembro de 1994, 15 dias antes do falecimento

Filho de Jordão Cadorin e Inês Gullini Cadorin, Cláudio Jeremias nasceu em Nova Trento em 23 de abril de 1931. A bem da verdade, não apreciava o nome “Jeremias”, que resumia num “J” porque, à época, era comum o uso de jeremiar, jeremiento para significar pessoa que vivia a lamentar como o velho Profeta lamentando as misérias de Jerusalém. Seu pai tocava clarinete na Banda Musical Padre Sabbatini e Cláudio também gostava de música, inclusive aprendeu a tocar Harmônio.

Completados os estudos do ginásio e clássico no Seminário de Azambuja, freqüentou os cursos de filosofia e teologia em São Leopoldo. Sua vida foi demonstração de que a vocação sacerdotal lhe foi natural, sem dramas ou sacrifícios.

Juntamente com Raul de Souza, foi ordenado presbítero em Nova Trento em 4 de dezembro de 1955, com o lema/programa de vida “Enviai, Senhor, operários à vossa messe, pois a messe é grande e poucos os operários”. Foi por toda a vida incentivador das vocações sacerdotais. Cresceu à sombra da neotrentina Madre Paulina, que vivia em São Paulo os últimos anos de vida. A Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição foi sua grande benfeitora espiritual e material. Duas irmãs suas, Célia Bastiana e Gertrudes, integram o Instituto de Santa Paulina. Irmã Célia dedicou-se com êxito aos processos de canonização de Santa Paulina e de Santo Antônio Santana Galvão, e é responsável pelo encaminhamento de diversos processos de brasileiros.

Seu primeiro ministério foi no Seminário de Azambuja (1956-1966), onde foi professor, prefeito de disciplina (1959-1964) e diretor espiritual (1965-1966). Como prefeito de disciplina tinha de orientar mais de meia centena de garotos, obrigando-os à ordem e ao silêncio, colocando-os a rezar, estudar, dormir, zelar por sua higiene e boas maneiras. Seu estilo paterno/materno dispensava gritos e castigos, deixando claro cada passo a ser dado e a repreensão proporcional à desobediência. De sua pedagogia fazia parte a atenção às coisas pequenas, até infantis: saber quantos degraus se tinha galgado entre um piso e outro, caso contrário, retornar a subida contando-os, quantas janelas tinha o dormitório, o autor do Manual, a editora, a edição. Coisas pequenas, mas que ensinavam o valor dos detalhes e a viver com atenção. Às vezes se preferia não procurá-lo no momento de dificuldades porque sua receita era muito rosário, jaculatória, visita ao Santíssimo, sacrifícios, ramalhetes espirituais.

Valorizava os meios de comunicação, especialmente o rádio. Semanalmente produzia um programa radiofônico na Rádio Araguaia de Brusque. Já em 1962, quando Santa Catarina não conhecia a Televisão, dirigiu-se a Porto Alegre a fim de participar de curso de comunicação televisiva e, feliz como uma criança, trouxe pedaços de vídeo tape e fotos de imagens de TV para que os seminaristas se preparassem para o futuro.

Humilde e bondoso pároco

Em 1967 foi nomeado vigário paroquial de São João Batista, no vale do rio Tijucas donde, de 1969 a 1975 foi pároco. Ajudou e substituiu o insubstituível Mons. José Locks, o padre do zelo e da autoridade, cujas ordens não se discutiam, fosse uma criança ou o delegado de polícia. Continuou com o mesmo carinho, mas no tempero da bondade silenciosa, da simplicidade, da atenção aos doentes, às crianças. Monsenhor nele teve um substituto ideal: saía o carvalho e entrava a flexível palmeira. Atenção especial dedicada às crianças da catequese, ensinando-as na memorização de orações e na explicação de cada espaço e objeto litúrgico.

Pe. Cláudio Cadorin era homem desprendido, sem outro projeto que o de servir o povo de Deus na obediência à Igreja, onde ela necessitasse. A paróquia Nossa Senhora da Penha, no município da Penha vivia tempos conturbados, com situação religiosa e material muito delicadas devido ao estilo de um padre que, vindo de São Paulo, ali foi acolhido e deixou o espaço paroquial e sua administração em estado lamentável, não por maldade, mas por incompetência mesmo. Depois ingressou na Igreja Brasileira – ICAB. Dom Afonso não teria escolha melhor do que Pe. Cláudio: foi silenciosamente, muito trabalhou e rezou, recuperando a vida paroquial entre os anos de 1976 e 1983. Nunca lamentou o que encontrava, assumindo o que deveria ser feito.

Ia tudo muito bem, o povo o amava como um verdadeiro pai, e outra paróquia, São Pio X da Ilhota, necessitava de um padre que a integrasse na pastoral diocesana. Um velho frade que ali trabalhava com muito zelo não se adaptava às orientações a respeito de cursos de preparação para o Batismo e abria as comportas aos descontentes, que aceitavam pagar qualquer preço para serem libertados dos cursos. Dos municípios da redondeza a cada domingo chegavam lotações de pais e padrinhos com crianças a serem batizadas. Evidente que isso desautorizava os padres das outras paróquias e não poderia continuar. Para lá foi nomeado Pe. Cláudio, o pobre servidor de Jesus pobre, alegre por poder servir, e ali trabalhou de 1984 a 1990, tendo como um dos substitutos, em 1992, o jovem sacerdote Pe. Carlos Guesser, zeloso e dedicado, colhido por um trágico acidente em 12 de maio de 1999, aos 36 anos

Padre simples, acostumado a paróquias rurais e com pequenas comunidades, em 1990 foi transferido para São Judas Tadeu, em Barreiros, São José. Ingressava na cidade grande, no mundo urbano com seus problemas. Pensava-se que era um padre certo para um lugar errado, pois Pe. Cláudio era erroneamente considerado ingênuo, simplório, até inoportuno nas repetições, mas carregava em si a simplicidade de um São João Vianney, o amor e atenção a cada pessoa e, acima de tudo, o desapego total, qualidades e virtudes que ligam o pastor ao rebanho. Foi um tempo feliz para a paróquia, mas o arcebispo Dom Eusébio Oscar Scheid precisou dele, novamente, na paróquia da Penha: lá foi Pe. Cláudio, feliz entre os inúmeros amigos que o receberam, permanecendo ali de 1992 a meados de 1994.

Doação à missão, sem reservas

Estava Pe. Cláudio contente, pronto a se transferir para nova casa paroquial, digna. Dom Jairo Mattos, bispo do Bonfim na Bahia, necessitava de um padre para a imensa paróquia de Jacobina. Como deixar de atender a essa urgência missionária? Dom Eusébio comunicou a notícia e, a seu pedido,  Pe. Cláudio fez as malas, pronto para a nova missão. Doeu-lhe deixar a querida Penha, chorou ao embarcar no carro que o levaria para o sertão baiano. Diversas vezes tinha participado de missões de férias, através do Projeto Igrejas-Irmãs.

Jacobina, modestamente apelidada de “cidade do ouro e da gente fina”, ocupava uma área de 2.319 km2 e esperava o conforto religioso de um vigário. Pe. Cláudio chegou em junho de 1994, com saudades de sua terra catarinense, sem dúvida, mas dissera sim a um convite talvez não oportuno naquele momento. Pensava que seria uma breve estadia, um socorro missionário, um semestre apenas. Desdobrou-se para atender à cidade, às dezenas de comunidades, aos pobres, às crianças, às famílias.

Era festa de Cristo Rei, 29 de novembro de 1994: celebrava a Missa de Primeira Comunhão de crianças muito bem preparadas, quando seu coração deu sinal de alerta: um início de infarto. Levado, com a rapidez possível no Sertão, ao Hospital São Rafael de Salvador, Deus o colheu no dia seguinte, em 30 de novembro de 1994.

No dia 1º de dezembro todo o clero de Florianópolis fez-se presente na matriz de São Virgílio, em Nova Trento, para a Missa exequial. Terminava uma vida ainda promissora, aos 63 anos. Cláudio Bersi de Souza, seu amigo e discípulo, redigiu-lhe a biografia editada em 2001 e reeditada em 2009, com propriedade intitulada “O Anjo da Humildade”.

Quem foi Pe. Cláudio Jeremias Cadorin? Foi padre, apenas isso, e na intensidade possível. Foi padre pobre, sempre com roupas velhas, cinzentas, suadas, até mal cheirosas. O anjo da humildade.

Foi padre das comunicações, carregando consigo gravador, projetor e cinematógrafo e sempre aproveitando as ocasiões oferecidas pelas rádios Araguaia (Brusque) e Clube (São João). Foi padre santo, à imagem do Cura d’Ars, dia e noite pensando no bem espiritual de seus paroquianos, inventando modos de atraí-los à vida cristã,  com carinho ensinando-os a rezar. Foi o padre da infância espiritual, fazendo bem as pequenas coisas, falando do amor de Deus para todos. Foi padre disponível, sem apegos a locais ou pessoas. Foi padre atencioso, sempre levando a sério o interlocutor, e aproveitando conversas até banais para delas extrair uma lição evangélica.

Para quem o conheceu de mais perto, foi o padre do “Jesus disse”: todas as suas homilias tinham como palavras iniciais “Jesus disse”. E aqui está a essência de seu ministério: fazer e anunciar o que Jesus disse, e sendo muito feliz. Sempre acompanhado por Nossa Senhora e São José.

Pe. José Artulino Besen

  1. #1 por Michela em 6 de abril de 2010 - 16:58

    Realmente foi um Padre extraordinariamente iluminado, sempre tinha uma palavra de consolo e uma lição para ensinar.
    Foi um Padre dos pobres, não um Padre pobre. Foi um homem iluminado que encheu nossos corações de Luz e de conforto.

  2. #2 por CECILIA WERNER em 7 de março de 2011 - 21:43

    Tive a chance de conviver com Padre Claudio Cadorin em nossa paróquia de Ilhota. Foi e sempre será um Anjo do Espírito divino que habitou entre nós.

  3. #3 por RAFAEL MARCONDES DOS REIS em 12 de fevereiro de 2012 - 09:44

    Convivi com Padre Claudio na Paróquia de Penha em 1983, fui coroinha nessa época ..saudades!!!!

  4. #4 por Augusto César Zeferino em 29 de janeiro de 2015 - 21:37

    Prezado Besen:

    Sim. Conheci o Pe. Cláudio, pois fui seu aluno no Seminário de Azambuja.

    O seu artigo reflete com muita propriedade as qualificações humanas e espirituais do Pe. Cláudio Cadorim.

    Obrigado pelo envio do material.

    Abraços,

    Augusto César Zeferino

  5. #5 por MARCELO MACHADO em 15 de julho de 2017 - 19:58

    Obrigado por guardar memória deste Pai que foi o Pe. Claúdio!

    Na preparação da minha Primeira Eucaristia, em 08 de dezembro de 1991, ele utilizou as dezenas de folhagens que circundavam o altar da então Capela Nossa Senhora do Rosário para nos trazer uma bela mensagem: – ” o que todas estas folhas tem em comum?” perguntava-nos. Tendo como resposta: – “são verdes! Precisam ser regadas! Estão em vasos!” Ao que retornava a perguntar: – ” o que todas estas folhas tem em comum?” Apos ouvir cada resposta nos afirmou: -“Todas as folhas estão vivas e verdejantes, adornando este altar porque estão voltadas para a luz que vem das janelas. Jesus é a luz! Dele nos vem a vida e toda a alegria de ser…”

    Até hoje ele é lembrado em nossa comunidade. É tido por muitos como homem com traços de santidade. Guardo dele a primeira mensagem que pude entender acerca da Presença de Cristo no mundo. Jesus Eucarístico se deu a mim pela primeira vez através das mãos do Pe. Cláudio.

    Deus seja louvado!

    Marcelo Machado

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