O anjo da humildade
Filho de Jordão Cadorin e Inês Gullini Cadorin, Cláudio Jeremias nasceu em Nova Trento em 23 de abril de 1931. A bem da verdade, não apreciava o nome “Jeremias”, que resumia num “J” porque, à época, era comum o uso de jeremiar, jeremiento para significar pessoa que vivia a lamentar como o velho Profeta lamentando as misérias de Jerusalém. Seu pai tocava clarinete na Banda Musical Padre Sabbatini e Cláudio também gostava de música, inclusive aprendeu a tocar Harmônio.
Completados os estudos do ginásio e clássico no Seminário de Azambuja, freqüentou os cursos de filosofia e teologia em São Leopoldo. Sua vida foi demonstração de que a vocação sacerdotal lhe foi natural, sem dramas ou sacrifícios.
Juntamente com Raul de Souza, foi ordenado presbítero em Nova Trento em 4 de dezembro de 1955, com o lema/programa de vida “Enviai, Senhor, operários à vossa messe, pois a messe é grande e poucos os operários”. Foi por toda a vida incentivador das vocações sacerdotais. Cresceu à sombra da neotrentina Madre Paulina, que vivia em São Paulo os últimos anos de vida. A Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição foi sua grande benfeitora espiritual e material. Duas irmãs suas, Célia Bastiana e Gertrudes, integram o Instituto de Santa Paulina. Irmã Célia dedicou-se com êxito aos processos de canonização de Santa Paulina e de Santo Antônio Santana Galvão, e é responsável pelo encaminhamento de diversos processos de brasileiros.
Seu primeiro ministério foi no Seminário de Azambuja (1956-1966), onde foi professor, prefeito de disciplina (1959-1964) e diretor espiritual (1965-1966). Como prefeito de disciplina tinha de orientar mais de meia centena de garotos, obrigando-os à ordem e ao silêncio, colocando-os a rezar, estudar, dormir, zelar por sua higiene e boas maneiras. Seu estilo paterno/materno dispensava gritos e castigos, deixando claro cada passo a ser dado e a repreensão proporcional à desobediência. De sua pedagogia fazia parte a atenção às coisas pequenas, até infantis: saber quantos degraus se tinha galgado entre um piso e outro, caso contrário, retornar a subida contando-os, quantas janelas tinha o dormitório, o autor do Manual, a editora, a edição. Coisas pequenas, mas que ensinavam o valor dos detalhes e a viver com atenção. Às vezes se preferia não procurá-lo no momento de dificuldades porque sua receita era muito rosário, jaculatória, visita ao Santíssimo, sacrifícios, ramalhetes espirituais.
Valorizava os meios de comunicação, especialmente o rádio. Semanalmente produzia um programa radiofônico na Rádio Araguaia de Brusque. Já em 1962, quando Santa Catarina não conhecia a Televisão, dirigiu-se a Porto Alegre a fim de participar de curso de comunicação televisiva e, feliz como uma criança, trouxe pedaços de vídeo tape e fotos de imagens de TV para que os seminaristas se preparassem para o futuro.
Humilde e bondoso pároco
Em 1967 foi nomeado vigário paroquial de São João Batista, no vale do rio Tijucas donde, de 1969 a 1975 foi pároco. Ajudou e substituiu o insubstituível Mons. José Locks, o padre do zelo e da autoridade, cujas ordens não se discutiam, fosse uma criança ou o delegado de polícia. Continuou com o mesmo carinho, mas no tempero da bondade silenciosa, da simplicidade, da atenção aos doentes, às crianças. Monsenhor nele teve um substituto ideal: saía o carvalho e entrava a flexível palmeira. Atenção especial dedicada às crianças da catequese, ensinando-as na memorização de orações e na explicação de cada espaço e objeto litúrgico.
Pe. Cláudio Cadorin era homem desprendido, sem outro projeto que o de servir o povo de Deus na obediência à Igreja, onde ela necessitasse. A paróquia Nossa Senhora da Penha, no município da Penha vivia tempos conturbados, com situação religiosa e material muito delicadas devido ao estilo de um padre que, vindo de São Paulo, ali foi acolhido e deixou o espaço paroquial e sua administração em estado lamentável, não por maldade, mas por incompetência mesmo. Depois ingressou na Igreja Brasileira – ICAB. Dom Afonso não teria escolha melhor do que Pe. Cláudio: foi silenciosamente, muito trabalhou e rezou, recuperando a vida paroquial entre os anos de 1976 e 1983. Nunca lamentou o que encontrava, assumindo o que deveria ser feito.
Ia tudo muito bem, o povo o amava como um verdadeiro pai, e outra paróquia, São Pio X da Ilhota, necessitava de um padre que a integrasse na pastoral diocesana. Um velho frade que ali trabalhava com muito zelo não se adaptava às orientações a respeito de cursos de preparação para o Batismo e abria as comportas aos descontentes, que aceitavam pagar qualquer preço para serem libertados dos cursos. Dos municípios da redondeza a cada domingo chegavam lotações de pais e padrinhos com crianças a serem batizadas. Evidente que isso desautorizava os padres das outras paróquias e não poderia continuar. Para lá foi nomeado Pe. Cláudio, o pobre servidor de Jesus pobre, alegre por poder servir, e ali trabalhou de 1984 a 1990, tendo como um dos substitutos, em 1992, o jovem sacerdote Pe. Carlos Guesser, zeloso e dedicado, colhido por um trágico acidente em 12 de maio de 1999, aos 36 anos
Padre simples, acostumado a paróquias rurais e com pequenas comunidades, em 1990 foi transferido para São Judas Tadeu, em Barreiros, São José. Ingressava na cidade grande, no mundo urbano com seus problemas. Pensava-se que era um padre certo para um lugar errado, pois Pe. Cláudio era erroneamente considerado ingênuo, simplório, até inoportuno nas repetições, mas carregava em si a simplicidade de um São João Vianney, o amor e atenção a cada pessoa e, acima de tudo, o desapego total, qualidades e virtudes que ligam o pastor ao rebanho. Foi um tempo feliz para a paróquia, mas o arcebispo Dom Eusébio Oscar Scheid precisou dele, novamente, na paróquia da Penha: lá foi Pe. Cláudio, feliz entre os inúmeros amigos que o receberam, permanecendo ali de 1992 a meados de 1994.
Doação à missão, sem reservas
Estava Pe. Cláudio contente, pronto a se transferir para nova casa paroquial, digna. Dom Jairo Mattos, bispo do Bonfim na Bahia, necessitava de um padre para a imensa paróquia de Jacobina. Como deixar de atender a essa urgência missionária? Dom Eusébio comunicou a notícia e, a seu pedido, Pe. Cláudio fez as malas, pronto para a nova missão. Doeu-lhe deixar a querida Penha, chorou ao embarcar no carro que o levaria para o sertão baiano. Diversas vezes tinha participado de missões de férias, através do Projeto Igrejas-Irmãs.
Jacobina, modestamente apelidada de “cidade do ouro e da gente fina”, ocupava uma área de 2.319 km2 e esperava o conforto religioso de um vigário. Pe. Cláudio chegou em junho de 1994, com saudades de sua terra catarinense, sem dúvida, mas dissera sim a um convite talvez não oportuno naquele momento. Pensava que seria uma breve estadia, um socorro missionário, um semestre apenas. Desdobrou-se para atender à cidade, às dezenas de comunidades, aos pobres, às crianças, às famílias.
Era festa de Cristo Rei, 29 de novembro de 1994: celebrava a Missa de Primeira Comunhão de crianças muito bem preparadas, quando seu coração deu sinal de alerta: um início de infarto. Levado, com a rapidez possível no Sertão, ao Hospital São Rafael de Salvador, Deus o colheu no dia seguinte, em 30 de novembro de 1994.
No dia 1º de dezembro todo o clero de Florianópolis fez-se presente na matriz de São Virgílio, em Nova Trento, para a Missa exequial. Terminava uma vida ainda promissora, aos 63 anos. Cláudio Bersi de Souza, seu amigo e discípulo, redigiu-lhe a biografia editada em 2001 e reeditada em 2009, com propriedade intitulada “O Anjo da Humildade”.
Quem foi Pe. Cláudio Jeremias Cadorin? Foi padre, apenas isso, e na intensidade possível. Foi padre pobre, sempre com roupas velhas, cinzentas, suadas, até mal cheirosas. O anjo da humildade.
Foi padre das comunicações, carregando consigo gravador, projetor e cinematógrafo e sempre aproveitando as ocasiões oferecidas pelas rádios Araguaia (Brusque) e Clube (São João). Foi padre santo, à imagem do Cura d’Ars, dia e noite pensando no bem espiritual de seus paroquianos, inventando modos de atraí-los à vida cristã, com carinho ensinando-os a rezar. Foi o padre da infância espiritual, fazendo bem as pequenas coisas, falando do amor de Deus para todos. Foi padre disponível, sem apegos a locais ou pessoas. Foi padre atencioso, sempre levando a sério o interlocutor, e aproveitando conversas até banais para delas extrair uma lição evangélica.
Para quem o conheceu de mais perto, foi o padre do “Jesus disse”: todas as suas homilias tinham como palavras iniciais “Jesus disse”. E aqui está a essência de seu ministério: fazer e anunciar o que Jesus disse, e sendo muito feliz. Sempre acompanhado por Nossa Senhora e São José.
Pe. José Artulino Besen
#1 por Michela em 6 de abril de 2010 - 16:58
Realmente foi um Padre extraordinariamente iluminado, sempre tinha uma palavra de consolo e uma lição para ensinar.
Foi um Padre dos pobres, não um Padre pobre. Foi um homem iluminado que encheu nossos corações de Luz e de conforto.
#2 por CECILIA WERNER em 7 de março de 2011 - 21:43
Tive a chance de conviver com Padre Claudio Cadorin em nossa paróquia de Ilhota. Foi e sempre será um Anjo do Espírito divino que habitou entre nós.
#3 por RAFAEL MARCONDES DOS REIS em 12 de fevereiro de 2012 - 09:44
Convivi com Padre Claudio na Paróquia de Penha em 1983, fui coroinha nessa época ..saudades!!!!
#4 por Augusto César Zeferino em 29 de janeiro de 2015 - 21:37
Prezado Besen:
Sim. Conheci o Pe. Cláudio, pois fui seu aluno no Seminário de Azambuja.
O seu artigo reflete com muita propriedade as qualificações humanas e espirituais do Pe. Cláudio Cadorim.
Obrigado pelo envio do material.
Abraços,
Augusto César Zeferino
#5 por MARCELO MACHADO em 15 de julho de 2017 - 19:58
Obrigado por guardar memória deste Pai que foi o Pe. Claúdio!
Na preparação da minha Primeira Eucaristia, em 08 de dezembro de 1991, ele utilizou as dezenas de folhagens que circundavam o altar da então Capela Nossa Senhora do Rosário para nos trazer uma bela mensagem: – ” o que todas estas folhas tem em comum?” perguntava-nos. Tendo como resposta: – “são verdes! Precisam ser regadas! Estão em vasos!” Ao que retornava a perguntar: – ” o que todas estas folhas tem em comum?” Apos ouvir cada resposta nos afirmou: -“Todas as folhas estão vivas e verdejantes, adornando este altar porque estão voltadas para a luz que vem das janelas. Jesus é a luz! Dele nos vem a vida e toda a alegria de ser…”
Até hoje ele é lembrado em nossa comunidade. É tido por muitos como homem com traços de santidade. Guardo dele a primeira mensagem que pude entender acerca da Presença de Cristo no mundo. Jesus Eucarístico se deu a mim pela primeira vez através das mãos do Pe. Cláudio.
Deus seja louvado!
Marcelo Machado