PADRE OSMAR PEDRO MÜLLER

Pe. Osmar Pedro Müller

Uma vida pela justiça

No Jubileu de Ouro sacerdotal e nos 20 anos de falecimento é de obrigação recordarmos a grande figura humana, cristã e presbiteral do brusquense Osmar Pedro Müller, nascido aos 15 de março de 1931, filho de Francisco Olegário e Paula Olinger Müller.

Entrou no Seminário de Azambuja em fevereiro de 1943. Indicado pela Arquidiocese de Florianópolis, estudou em Roma de 1949 a 1956, lá sendo ordenado presbítero a 25 de fevereiro de 1956, juntamente com os colegas de arquidiocese Pe.s Ney Brasil Pereira e Gilberto Luiz Gonzaga.

Sua primeira missão, de 1957 a 1965, foi no Seminário de Azambuja, onde exerceu as funções de professor, prefeito de disciplina e diretor espiritual. A imagem que dele ficou em seus alunos de Azambuja foi de um homem sábio, piedoso, sério, severo e sensível nos momentos de sofrimento. Em 1963-1964 dedicou-se à Juventude Operária Católica – JOC, com trabalhadores das fábricas brusquenses. Um trabalho difícil, cumprido em obediência ao mandado do arcebispo.

Professor e formador em Curitiba

Com a fundação do Seminário Catarinense PAULINUM em Curitiba, entre 1966-1969 foi diretor espiritual dessa instituição interdiocesana e secretário do Instituto Filosófico e Teológico de Curitiba – IFTP. Respiravam-se os ares conciliares e Pe. Osmar teve a graça de, entre novembro de 1966 e fevereiro de1967, participar de um Curso de Liturgia em Trier, na Alemanha, promovido pelo CELAM, para lecionar Liturgia no Instituto Teológico de Curitiba. “A mentalidade do Instituto de Liturgia (de Trier) é de renovação – aberta, desligada de preconceitos – realista – valorizante de todos os valores das várias épocas. E tudo isso, sem espírito revolucionário ou contrário a gerações passadas”, escreveu ao arcebispo.

No mesmo espírito – e contribuindo para a gênese de um novo Pe. Osmar – em junho de 1968 participou de um Curso de atualização social em Olinda, promovido pelo IBRADES. Em carta a Dom Afonso Niehues (20/06) assim se expressou: “Durante a viagem estava atento à paisagem, aos moradores, casas, costumes. Não pude deixar de ter um choque diante do casario das cidadezinhas da Bahia, Sergipe, Alagoas: impressionante a miséria, falta de iniciativa, de limpeza, de trabalho.”

Motivando a Igreja catarinense

Em 1970 a Igreja em Santa Catarina desligava-se do Regional Sul-3 da CNBB e Pe. Osmar foi indicado para subsecretário e organizador do Regional Sul 4 da CNBB em Florianópolis, coordenando a pastoral das dioceses catarinenses. Empenhou-se de corpo e alma na implantação do método da Criatividade Comunitária como instrumento da ação pastoral: se para muitos o método serviu para alimentar o narcisismo espiritual, para Pe. Osmar foi ocasião de revisão de vida pessoal, eclesial e comunitária. De homem intransigente, radical, perfeccionista, tornou-se um homem do diálogo, do respeito pelo outro, mas com a firmeza nas opções. Quando foi criado o Instituto Teológico de Santa Catarina – ITESC em Florianópolis, ele quis que a Teologia tivesse como background os 14 Sistemas do método, criando-se mal estar entre ele, o Regional e o diretor Pe. Paulo Bratti.

Sonhava com uma Igreja que Jesus Cristo sonhou: uma Igreja de comunhão, participação, solidária, pobre, missionária. Iniciou a preparação e organização do CIER (para a educação religiosa), uma das mais belas experiências de Ecumenismo: “Continuem esta obra respeitando sempre a GLORIOSA LIBERDADE DOS FILHOS DE DEUS” falou, muito emocionado, em sua despedida do Regional, em Lages. Pe. Osmar buscava uma Igreja sempre mais corajosa, voltada mais para os caminhos a percorrer, do que para glórias e seguranças passadas.

Missionário no Sertão baiano

A Igreja catarinense abriu-se à ação missionária em âmbito nacional e criou o Projeto Igrejas-Irmãs, assumindo ajudar na formação de agentes nas dioceses do interior baiano. Assim, em 1975 foi para a Bahia, coordenando lá o Projeto das Igrejas-Irmãs e assumindo a paróquia de Capim Grosso, na diocese de Bonfim. Foi como pobre para trabalhar entre os pobres: o mínimo de roupa e, de livros, apenas a Bíblia.

Em carta a Dom Afonso (27/08-77) resumia seu trabalho: “Estamos, Bruno e eu, numa “semana pastoral” (3 dias), lidando com reuniões do Povo, sobre a situação econômica, social, religiosa em que vivem, e com treinamento às lideranças, para que se sintam encorajados a movimentar o Povo.”

Numa homilia em Serrolândia atacou a injustiça vigente: foi acusado de subversivo, comunista e por pouco não foi executada a ordem de prisão. Num Comunicado ao povo (22/06-78) assim se defendeu: “Repudio como caluniosas, ridículas as acusações de comunista e subversivo […].  No exemplo de Cristo vejo um convite sereno a continuar a ajudar os pobres, os pequenos, os miseráveis, esse nosso povo querido e sofrido de nosso sertão. Se um remorso me pesa é o de não ter tido mais coragem e mais dedicação a esses meus irmãos sem voz e sem vez. Pesa-me, não o que fiz, mas o que tenho deixado de fazer.”

Revolucionário do Evangelho na Nicarágua

Entusiasmado pelo triunfo do Sandinismo em 1979, em 13 de outubro de 1980 dirigiu-se para a Nicarágua, decidido a doar-se àquele povo, como missionário: “Estou de partida para a Nicarágua. Desejo colocar-me à disposição desse Povo sofrido, heróico”. Ali, atuou primeiro numa paróquia de subúrbio, na capital, depois em Rosita, no interior, e finalmente em Waslala, região pobre ao norte do país, na fronteira com Honduras.

Foi sempre mais tomado pela impaciência revolucionária: “Conseguiremos criar um tipo de pastoral revolucionária? Devemos criar estruturas eclesiásticas pastorais, paralelas às organizações revolucionárias do Povo? Parece que não. E sim, encarnar-nos nelas. Mas então, como conseguiremos oferecer os serviços de evangelização, metánoia permanente, formação crescente para esses cristãos engajados? E que dosagem de politização (=compromisso com o bem comum, exercício do poder popular, disposição para o serviços comunitários e sacrifícios – sementes do futuro) devemos ir “inoculando” no Povo? Em que linguagem? Em que metodologia? Enquanto há essas tarefas cruciais de discípulos do Senhor, que nos toca em realidade fazer?” (Carta a Pe. Debiasi em 30/08/81).

Sofreu a campanha internacional contra a Igreja popular nicaragüense; sofreu com as imposições do Vaticano contra os Ministros de Estado padres; sofreu a incompreensão da CNBB que enviando um bispo para conhecer a realidade, elaborou um relatório negativista. Referindo-se ao bispo envolvido, Pe. Osmar treme em carta a Dom Afonso (02/06/82): “[…] A frase que instintivamente me vem à mente é a de Jesus: Mt 19,23 – “como é difícil um rico entrar no Reino dos Céus”. Não digo entrar no Céu. Parece que ele (o bispo) é sincero. Mas que não entra no reino dos céus, a partir dos pequenos e pobres, ele está mostrando que não consegue entrar. Toda uma formação-deformação lhe impede o passo”.

Na Nicarágua contou com a amizade das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, do povo, dos líderes. Debilitando-se completamente no corpo, mas sempre mais forte no espírito sofreu calúnias, doenças, malárias, seqüestro, acidentes por terra e por rio, viu homens e mulheres sendo presos, torturados, assassinados pelos “contras” financiados pelos EUA, viu também a elite política revolucionária cair na tentação do poder e da corrupção. Pe. Osmar era outro: um presbítero revolucionário para quem a missão do Cristianismo era aliar-se à causa do pobres. Fora disso, não teria sentido nem futuro.

Deixou palavras fortes para o ITESC: “Alegro-me por essa juventude que ainda se arrisca à aventura do Evangelho. O tremendo, o desafiante é que no período de formação não se deformem: emburguesamento, privilégios, criticismo sem autocrítica (sem conversão). Continuo recebendo de várias pessoas a queixa séria contra nós, sacerdotes em S. Catarina: somos burgueses, comprometidos com o dinheiro e comodidades dos que nos envolvem e pervertem, não levamos a sério nem Medellín, nem Puebla, nem o Concílio, nem muito menos o Evangelho.” (Carta a Pe. Ney Brasil – 10/07/85).

Angola – um sonho concluído na eternidade

Terminando seu qüinqüênio na Nicarágua, pensou em dar sua contribuição também ao povo de Angola, na África. Mas a saúde precária o fez regressar, mais depressa do que previa, apenas a tempo de vir a falecer entre nós, pouco antes de completar seus 30 anos de padre e seus 55 anos de vida.

“Em janeiro de 1986, no seu regresso da Nicarágua, desviou a rota via Angola. Que surpresa para nós! Pe. Osmar entre nós, de 5 de janeiro a 18. Angola estava em guerra e era difícil viajar. Com dificuldade conseguimos passar em algumas comunidades e numa Província – N’Datalango, onde se encontrou com um missionário brasileiro conhecido. Ele, sempre atento a tudo. Liturgias celebradas com o povo, contatos com algumas autoridades religiosas e civis.” (Carta de Ir. Clementina Fusinato ao autor – 31/03/2003). Ao despedir-se no aeroporto dizia: “Vou feliz, embora não sei o que possa acontecer… A minha vida está pendurada por um único fio, tênue e frágil.” (idem, ib.).

Chegou em Florianópolis em 21 de janeiro de 1986, já bem doente. Os exames de laboratório, na UTI do HU, constataram malária maligna, provavelmente contraída em Angola. A infecção começou a manifestar-se alguns dias antes, mas Pe. Osmar preferiu agüentar… como era de seu feitio. Quando sofreu o colapso, à tarde de sábado, primeiro de fevereiro, sendo então transportado ao hospital, já era tarde.

Pe. Osmar Pedro Müller, nosso irmão no presbitério catarinense, faleceu 08 de fevereiro de 1986. Foi sepultado junto de seus pais no Cemitério Parque da Saudade, em Azambuja. Em sua lápide, o ideal que norteou sua ação heróica: “Não se podem construir castelos de fraternidade encima da injustiça”.

  1. #1 por Pe. Lúcio Espíndola Santos em 27 de agosto de 2009 - 09:55

    Tenho sempre falado que Pe. Osmar é o primeiro Padre missionário além-fronteira de nossa arquidiocese. Espero estar certo. Gostaria de escutar algo mais sobre esta afirmação.

  2. #2 por admin em 27 de agosto de 2009 - 20:48

    Realmente, Pe. Osmar Pedro Müeller é o primeiro missionário-padre da arquidiocese de Florianópolis além-fronteiras. Trabalhou na Nicarágua de 1980 a 1984. Prepararava-se para ir para Angola, e lá foi num primeiro estágio, contraindo malária que o levou ao túmulo.
    Um grande cristão e sacerdote.
    Pe. José

  3. #3 por Dayse Pereira Kammers em 1 de setembro de 2009 - 17:36

    Sou afilhada do Pe. Osmar, eu fui a primeira criança a ser batizada na Igreja da Costeira do Pirajubaé – Florianópolis, minha mãe trabalhava na limpeza do Regional Sul 4 e o convidou para me batizar, pois pediu a ele um conselho de como evitar filhos, pois não aguentava mais aquela vida de silêncio e vergonha, já era a 14- GRAVIDEZ. Humano e acima de tudo amigo, explicou para minha mãe sobre a pílula. Minha mãe sentiu-se realizada.Perto de meu nascimento minha mãe perguntou a ele se gostaria de me batizar, ele ficou muito feliz com a noticia e até disse que o meu nome também era com ele. Tenho ainda algumas lembranças de meu querido padrinho, pena que fiquei pouco tempo ao seu lado. Sempre que ele voltava de viagem, ia me visitar e levava um presente do lugar que chegara. Nunca tinha ouvido ninguém falar dele, somente minha mãe e meu pai, que quando falam, se emocionam, pois minha mãe diz que era um homem santo, ajudava demais as pessoas. Hoje estou muito feliz, pois fiz um retiro e ouvi Pe. Nandi falar dele, nunca tive a oportunidade de ouvir ninguém falar assim, estou muito emocionada. Guardo uma foto, com muito carinho de meu padrinho, mas gostaria de ter alguma coisa a mais que viesse dele, vou procurar o endereço do cemitério onde está, para ao menos visitar, pois nunca tive a oportunidade de dizer o quanto o amei, hoje adulta vejo como foi sua luta e seu amor com o próximo. Morte precoce!!! Que pena!!! Vou procurar saber tudo sobre sua caminhada, estou muito feliz por saber que ele foi um grande Missionário.

  4. #4 por admin em 2 de setembro de 2009 - 21:36

    Pe. Osmar etá sepultado no Jardim da Paz, em Azambuja.

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