CÔNEGO ARCÂNGELO GANARINI

MISSIONÁRIO DE IMIGRANTES

Arcangelo Ganarini - jovem

Arcangelo Ganarini – jovem

Arcângelo Ganarini nasceu em 10 de fevereiro de 1844 em Ronchi, Diocese de Trento, no Tirol italiano então ocupado pelo Império Austro-húngaro, terra de Santa Paulina. Entrou no Seminário em 1866, e foi ordenado presbítero em 30 de novembro de 1869. Entre 1869 e 1876 foi vigário paroquial em Roncegno, Itália.

Sensibilizado pela emigração dos trentinos que, desde 1875 tinham vindo para as florestas de Nova Trento, SC, prontificou-se a também emigrar para acompanhar espiritualmente seus conterrâneos. Não se contentou em atendê-los espiritualmente, pois, vendo as possibilidades de vida melhor oferecidas pelas terras brasileiras em confronto com a pobreza no Trentino italiano, fez-se propagandista da imigração. Dois sacerdotes trabalharam nesse sentido: Pe. Luiz Marzano junto aos vênetos de Urussanga e Pe. Ganarini junto aos trentinos. Ambos procuraram condividir sua experiência com os compatriotas na Itália: Pe. Ganarini publicou “Nuova Trento, impressioni di viaggio”, 1901, importante documentação sobre os primeiros anos de Brusque e Nova Trento, e Pe. Luiz Marzano o “Missionari italiani nelle foreste del Brasile”, em 1904, sobre a vida dos colonos em Urussanga. Pe. Ganarini, além disso, escrevia regularmente para um jornal de Trento, motivando outros conacionais à imigração.

O projeto missionário de Pe. Arcângelo Ganarini era permanecer ligado aos italianos de Brusque e Nova Trento, sendo essa capela filial da paróquia de Brusque. De 1876 a 1882 foi vigário paroquial de São Luís Gonzaga da Colônia Itajaí (hoje Brusque), preferentemente atendendo Nova Trento e os italianos em Brusque. Em 1882 e 1883 foi pároco da mesma paróquia.

Nesse período, a Província de Santa Catarina pertencia à Diocese do Rio de Janeiro e o bispo sentiu a necessidade de Pe. Ganarini para a paróquia de Santo Amaro do Cubatão. Disponível, foi provisionado pároco em 21 de abril de 1883, e permaneceu em Santo Amaro até 1900, acumulando o trabalho de vigário interino de Nossa Senhora do Rosário da Enseada de Brito entre 1883 e 1892. Um vastíssimo território.

Foi ele quem acolheu os Padres Franciscanos da Província alemã de Santa Cruz da Saxônia, vindos para refundar a obra franciscana no Brasil após a proclamação da República em 1889. Assim escreve Frei Humberto Themns:

Depois de uma viagem de duas ou três horas, chegamos a Santo Amaro, um pequeno povoado entre Desterro e Teresópolis, cujos moradores, em sua grande maioria, eram brasileiros. O vigário que nos recebeu era um senhor afável que administrava esta paróquia por nove anos. Era um italiano nato de nome Arcângelo Ganarini. Refrescamo-nos com um bom copo de vinho feito pelo próprio vigário.

Era pouco depois das 7 horas, dia 10 de julho de 1891, numa sexta-feira. Foi o dia em que nossa missão em Teresópolis, Estado de Santa Catarina, teve seu início. Em um escondido rincão do imenso Brasil está o berço da nossa missão, mas nós esperamos que a bênção de Deus paire num começo modesto, inicialmente não sem sacrifícios” (Viagem ao Brasil e Começo da Missão).

Nessa acolhida e simplicidade teve novo início a vida franciscana: de Teresópolis subiram a Lages, desceram a Blumenau, subiram ao Rio, Salvador, Recife, Belém e tantos outros lugares cujos conventos estavam praticamente despovoados pelas leis anti-religiosas do Império.

Em 5 de abril de 1900, Pe. Ganarini escreveu a Dom José de Camargo Barros, primeiro bispo da diocese de Curitiba, criada em 1892, sugerindo a entrega de Santo Amaro aos Franciscanos. Dom José aceitou em 18 de abril, e demonstrou todo o afeto pelo Pe. Ganarini, inclusive pedindo que passe uns meses em Curitiba, para descansar. Até hoje os Frades desenvolvem seu apostolado nessa grande região.

O apostolado na capital catarinense

Arcangelo Ganarini - 1869

Arcangelo Ganarini – 1869

Os últimos anos de sua existência, Pe. Ganarini viveu-os na capital do Estado catarinense, Florianópolis. De 1900 a 10 de fevereiro de 1916 foi capelão do Imperial Hospital de Caridade, acumulando outros serviços na esfera diocesana.

Mais uma vez há mudança na organização eclesiástica de Santa Catarina: em 19 de março de 1908, o Papa Pio X criou a diocese de Florianópolis, sendo primeiro bispo Dom João Becker.

Em 1º de janeiro de 1909 Pe. Ganarini foi nomeado Vigário geral e Provisor do Bispado de Florianópolis. Dom João motiva a nomeação: é dotado de sólida ciência eclesiástica, verdadeiro espírito sacerdotal e profusos conhecimentos de administração. Mas, não era sua vocação esse trabalho e, em 23 de dezembro de 1909, pediu exoneração, atendida em 8 de janeiro de 1910, por motivo de saúde.

Nas cartas, já percebe-se que sua letra é de uma mão trêmula. Além disso, reclama da animosidade da população, por ser estrangeiro. Dom João reconhece, na provisão, sua dedicação. Creio que a animosidade tenha também, como raiz, o fato de Pe. Ganarini ser grande figura sacerdotal, mas isolado tanto do clero italiano como do alemão do Sul do Estado. Além disso, era evidente que a vida diocesana tinha um centro: Mons. Francisco Topp que, por todos os méritos e competência, era o indicado para tudo.

Em 21 de setembro de 1910, foi nomeado 1º Governador do Bispado de Florianópolis, por tempo da ausência do bispo, tendo como substituto Frei Nicodemos Grundhoff, OFM. Em 21 de julho de 1911, foi provisionado Juiz pró-sinodal da Diocese de Florianópolis e, em 2 de agosto de 1912, nomeado Diretor da Propagação da Fé em Santa Catarina.

Dom João Becker foi transferido para a sede episcopal de Porto alegre em 1912 e quis homenagear o amigo, conferindo-lhe o título de Cônego Honorário do Cabido metropolitano de Porto Alegre em 14 de dezembro do mesmo ano.

Em 7 de setembro de 1914, assumiu o segundo bispo de Florianópolis, Dom Joaquim Domingues de Oliveira. Tendo presente os cargos eclesiásticos de Cônego Ganarini, em 3 de outubro de 1915 Dom Joaquim o submeteu a um exame de teologia moral, com duas perguntas: 1ª. – Por que estão os protestantes obrigados, como súbditos, aos preceitos da Igreja? Se pecam per se, não ouvindo missa aos domingos, etc., ou se a Igreja os dispensa dos seus preceitos? 2 – Tito e Sabina residem em local distante que o padre visita apenas de três em três meses e querem se casar. Podem fazê-lo sem a assistência do pároco?

Cônego Ganarini respondeu com muita ciência num belo latim, citando o Ne Temere, Gucy, Traquini e a Pastoral Coletiva dos Bispos do Sul do Brasil de 1915. Dom Joaquim deu-se por satisfeito.

Os últimos anos de um grande padre

Arcângelo Ganarini - 1905

Arcângelo Ganarini – 1905

Eram os tempos da grande Guerra de 1914-1918, que envolvia Itália e Alemanha e com repercussões claras na vida dos imigrantes catarinenses e seus padres e religiosas, italianos e alemães. Dom Joaquim tinha a seu lado o italiano Cônego Ganarini e o alemão Mons. Topp. É verdade que o bispo não tinha em grande simpatia o entusiasmo dos alemães e os padres alemães o criticavam por isso.

Em 1917, num ato arbitrário, Dom Joaquim demitiu todos os diretores estrangeiros das Escolas paroquiais, o que significou atraso e sofrimento enormes, especialmente para as beneméritas Irmãs da Divina Providência.

Aqui entrou a mão de Cônego Ganarini. Em 20 de junho de 1917, atendendo a um pedido indireto do bispo, sugeriu que seria muito útil a obrigatoriedade do ensino da língua nacional nas Escolas Paroquiais. Sem ela, os filhos dos estrangeiros nunca teriam parte na vida nacional do Brasil, e alimentariam antipatia e desconfiança pelo pouco caso que mostrassem ou parecessem demonstrar pela língua ou pelo mais que é brasileiro. As vantagens dessa obrigatoriedade: – os pais católicos terão a sua escola com todas as vantagens da escola do Governo, e os que querem a língua nacional a teriam na escola paroquial.

Mas sugere que isso seja aplicado devagar, para não causar descontentamento desnecessário. E julga que o Governo poderia subvencionar os professores que se prestassem a esse serviço, o que seria auxílio indireto às escolas paroquiais. Dom Joaquim segue o conselho, mas não devagar…

Em 4 de abril de 1918, após mais uma consulta de Dom Joaquim, respondeu ser necessário o cumprimento da ordem diocesana a respeito da proibição do uso da língua alemã nos atos de culto público paroquial. Em algumas paróquias o padre fazia três sermões: em português, alemão, italiano ou polonês. Agora se obriga o padre a falar bem o português.

Uma observação: Cônego Ganarini não tem contato com os padres italianos do Sul e parece ter antipatia pelos alemães. Por que não cita a proibição do italiano?

É verdade que os descendentes dos imigrantes deveriam ser integrados na vida brasileira, mas esses atos em tempo de guerra trouxeram conflitos desnecessários. Querendo ou não, Sua Excia. contava praticamente apenas com clero alemão, italiano e polonês. Estava sem Seminário e sem clero “nacional” puro.

Em 1º de julho de 1918, Cônego Ganarini foi escolhido como membro do Conselho diocesano. Sua presença era sempre muito rica e ativa nas Conferências do Clero em Florianópolis, quando se discutiam temas de apologética, moral e canonística. Era um homem culto, zeloso e de belo caráter sacerdotal.

Com a saúde sempre mais abalada, em 23 de julho de 1920, Deus veio buscá-lo. Vivera 76 anos, 51 deles como padre. Uma vida sobrecarregada de trabalhos e viagens entre Brusque e Nova Trento, nos sertões de Santo Amaro e Enseada de Brito, sem uma queixa, um lamento. Viveu para acompanhar o povo de Deus. Está sepultado no cemitério da Imperial Irmandade do Senhor dos Passos em Florianópolis.

Pe. José Artulino Besen

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