2. A PAZ

Um homem nunca sofre dano provocado por outro se não tem dentro de si as causas das paixões. Por esse motivo, o Deus criador de todas as coisas e médico das almas, o único que conhece com exatidão as feridas da alma, não ordena que se abandonem as relações humanas, mas de romper as causas do mal que estão em nós. Sabe que a saúde da alma não se alcança com a separação dos homens, mas vivendo e exercitando-se com homens virtuosos. Quando abandonamos os irmãos sob qualquer pretexto razoável, não suprimimos as ocasiões de tristeza, mas apenas as substituímos com outras porque o mal está em nós, e lhes desperta com outras coisas. Por isso, todo nosso combate deve ser contra as paixões que estão em nós. Uma vez expulsas de nosso coração com a graça e o socorro de Deus, viveremos facilmente, não digo só com os homens, mas também com os animais selvagens, conforme disse o bem-aventurado Jó: Estarão em paz com os animais selvagens (Jó 5,23).

Cassiano o Romano,
Ao bispo Castor, vol. I, p.75

Não digas: “Observei os mandamentos e não encontrei o Senhor”, porque, segundo a Escritura, freqüentemente encontraste o conhecimento junto com a justiça (cf. Pr 16,5c). E os que procuram o Senhor com retidão encontrarão a paz (Pr 16,5c).

Marcos o Asceta,
A lei espiritual 191

Os Pais disseram bem e de modo irrefutável: um homem não pode encontrar repouso de outro modo do que conservando dentro de si o pensamento de que no mundo existem apenas ele e Deus. Desse modo, seu coração não andará errante atrás do nada. Deseja Deus, somente a ele está apegado. Tal homem encontrará o verdadeiro repouso e será libertado da tirania das paixões. De fato, se diz: A ti está ligada a minha alma e a tua mão direita me sustenta (Sl 62,9).

Teodoro, bispo de Edessa,
Capítulos 91

Talvez seja esse o sinal da libertação das paixões: estar livre da perturbação e do temor de qualquer coisa como se tivéssemos recebido por graça de Deus [a faculdade] de poder tudo (cf. Fl 4,13), segundo o Apóstolo, a ponto de não ter nenhuma preocupação com relação ao corpo. Na proporção da violência feita a si mesmos, se atingirá o repouso. Então, se dá graças e novamente se faz violência para estar sempre em luta e sempre vencedores com humildade. … Quem quiser obter essas coisas deve permanecer em Deus e não ter, absolutamente, nenhuma preocupação com este mundo, não ter medo de nenhuma tentação. Assim progredirá, subirá sempre mais ao um grau mais elevado e não através de sonhos maus ou aparentemente bons, nem através de pensamentos de malícia ou de bem, nem através da tristeza ou de uma alegria inefável, nem através da presunção ou da desesperança, ou da profundidade ou da altura, ou do abandono ou do socorro ou de uma força externa, nem através da negligência ou do progresso, ou do relaxamento ou uma decisão falsa, ou de uma aparente libertação das paixões ou de uma grande paixão. Pelo contrário, deve conservar a vida na paz, livre de toda distração com humildade, convencidos de quem ninguém pode fazer-nos mal se nós mesmos não o quisermos.

Pedro Damasceno,
Livro I, vol. III, p. 63-64

Disse o Senhor aos apóstolos: Dou-vos a minha paz, e acrescenta: não como o mundo a dá (Jo 14,27), isto é, não simplesmente como faziam os homens daquela terra quando se saudavam entre si dizendo: “Paz a vós”, nem como disse a Sunamita: Paz a ti (2Re 4,23), ou seja, “paz ao teu marido, paz a teu filho”. Mas Deus dá a paz que ultrapassa todo entendimento (cf. Fl 4,7). Oferece-a àqueles que amam-na com toda a alma, por causa das lutas que combateram e dos perigos que afrontaram antes de obtê-la. Por isso, diz ainda o Senhor: “No mundo tereis tribulações, mas eu venci o mundo” (cf. Jo 16,33). Mesmo que alguém tenha muitas tribulações e corra muitos perigos por parte dos demônios e dos homens, se possui a paz do Senhor, a tudo considera como um nada. E também diz: Estai em paz uns com os outros (Mc 9,50). O Senhor anunciou-lhes todas essas coisas porque deveriam combater e sofrer aflições por sua causa. Cada um de nós fiéis, durante o tempo de sua formação deve também enfrentar as paixões pelas quais é combatido e escandalizado, mas, se está em paz com Deus e com o próximo, domina-as todas. Porque essas paixões são o mundo que João o Teólogo ordenou odiar (cf. 1Jo 2,15). Não que se deva odiar as criaturas, mas as concupiscências mundanas (cf. Tt 2,12). A alma está em paz com Deus quando está em paz consigo e se torna toda de Deus. Torna-se assim quando está em paz com todos os homens, mesmo que padeça de males por parte deles. Graças à sua tolerância, não se perturba, mas tudo desculpa (1Cor 13,7), quer o bem de todos, ama todos os seres em Deus, através da natureza. Sofre por quem não tem fé, por causa de sua perdição, como fizeram o Senhor e os apóstolos, mas reza e sofre igualmente pelos fiéis. Deste modo recebe a paz dos pensamentos e permanece com o coração na contemplação e na oração pura.

Pedro Damasceno,
Livro II, vol. III, p. 152-153

Princípio de toda obra querida por Deus é a invocação, feita com fé, do nome salvífico do Senhor nosso Jesus Cristo, pois ele mesmo disse: Sem mim nada podeis fazer (Jo 15,5). Junto com ela também é necessária a paz, pois foi dito que se deve orar sem ira e sem discussões (cf. 1Tm 2,8), e o amor, porque Deus é amor e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele (1Jo 4,16). Essa paz e esse amor não só tornam aceita a oração, mas, como dois raios gêmeos e divinos nascem e germinam da própria oração, crescem e se aperfeiçoam.

Calixto e Inácio Xantopoulos,
Método 8

Há uma paz mais aparente do que real; quando o corpo se encontra num estado de bem-estar, ela traz à alma uma grande inquietude mesmo que, no momento, possa simular um estado de tranqüilidade. E há uma paz dos sentidos que é conseqüência da separação e da fuga de tudo e da paz interior. Mas também essa paz, se bem que seja incomparavelmente melhor do que a primeira, dura pouco porque, quando a alma está oprimida pelos pensamentos, o corpo e o homem inteiro sofrem e naturalmente são perturbados. Há, porém, uma terceira paz, uma paz dos sentidos e da alma, superior a estas; ela vem na calma das potências da alma e do homem interior, mediante o reto agir e uma viva solicitude, quando se reza com maior pureza, as lágrimas são mais doces e com prazer nos ocupamos das palavras divinas; mas, essa não é ainda a perfeição da paz. De fato, é impossível que o tocador de flauta ou de cítara executem ininterruptamente peças musicais; sentirão dor e cansaço nas mãos, ou então lhes vem alguma doença ou qualquer circunstância dolorosa, de modo que o tocador de flauta não toca mais e o tocador de cítara não mais está afinado. Do mesmo modo, também a alma que dispôs as harmonias fundamentais das suas potências não permanece realmente imutável, mas se deixa andar; querendo ou não, o ardor se apaga ou pela volubilidade ou pela acédia própria das criaturas, ligada a um corpo com seu inacreditável peso e brutalidade. Mas, quando a alma, por graça acolhe a vinda do Increado que tudo criou, quando comunga com o Espírito imutável e vivificante torna-se admirável, vive de uma outra vida, naturalmente vivificada pelo Espírito vivificante, goza de uma vida sobrenatural e, por conseqüência, imutável. E, como vive pela potência vivificante, assim também vê, porque também existe uma luz vivificante e, por isso, se alegra vendo as obras sobrenaturais daquele que está acima da natureza e está em paz, daquela paz que supera toda inteligência (Fl 47).

Calixto Patriarca,
Capítulos sobre a oração 55

Retornar ao índice do capítulo →

  1. Deixe um comentário

Deixe um comentário