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NICOLAE, O INTELECTUAL QUE JESUS VENCEU NA PRISÃO

Nicolae Steinhardt (1912 – 1989

Nicu Aurelian Steinhardt, filho de mãe romena e pai judeu, nasceu na Romênia em 29 de julho de 1912. Pelo lado materno, Nicolae era parente do psicanalista austríaco Sigmund Freud, a quem costumava visitar em sua juventude. Formado em Direito, freqüentou também o curso de Letras na Universidade de Bucareste. Estreou cedo no universo literário e conviveu com a elite da intelectualidade romena, depois exilada na França, como Constantin Noica (cujas preocupações abrangeram todos os campos da filosofia), Emil Cioran (filósofo e literato angustiado pela vida: “Seria a existência o nosso exílio e o vazio a nossa pátria?” Para ele, a existência da música de Bach era a única prova de que a criação não fora obra do acaso), Eugène Ionesco (o maior dramaturgo do Teatro do Absurdo; suas peças teatrais retratam de uma forma tangível a solidão do ser humano e a insignificância da sua existência), Mircea Eliade (um dos mais importantes e influentes historiadores e filósofos das religiões do século XX), enfim, o que a Romênia melhor produziu no século XX no campo do pensamento.

O regime comunista instaurado em 1947 com a abolição da monarquia, cujas bases eram uma ditadura que vigiava e ouvia a tudo e a todos, não o privou da liberdade de pensar. Seu caráter se manifestou claramente em 1960 quando, interrogado pela polícia ideológica do regime comunista romeno, recusou-se a colaborar como testemunha de acusação no processo movido contra um grupo de intelectuais, entre eles seu melhor amigo, o filósofo Constantin Noica. Sua recusa lhe custou a condenação a doze anos de trabalhos forçados, dos quais cumpriu quatro nos cárceres comunistas de Jilava, Gherla e Auid..

Jesus  liberta Nicolae das falsas certezas

Há mais tempo, Nicolae repensava sua vida e suas convicções. Tocava-o profundamente a espiritualidade ortodoxa, o heroísmo dos cristãos. Não recebera educação religiosa na família, fora criado num ambiente hostil à fé, mas Deus não se fez de rogado e o perseguiu do mesmo modo que perseguiu a Agostinho: passo a passo, convicção a convicção, Deus foi demolindo suas falsas certezas. Como Santo Agostinho, Nicolae chegou à confissão cristã do abrir-se totalmente diante d’Aquele que tudo sabe para que possamos saber ainda mais acerca de nós mesmos pois, conhecendo a Deus nos conhecemos. Mergulhava na rica espiritualidade cristã ortodoxa.

E assim, escolhendo o nome de Nicolae Steinhardt encontrou a felicidade da fé cristã. Para ele, a prisão foi a grande graça de Jesus. Foi batizado no cárcere em 15 de março de 1960 pelo companheiro de condenação Mina Dobzeu, conhecido teólogo e eremita da Bessarábia que ainda vive. Invocou o Espírito Santo para que santificasse a água poluída que, desse modo, tornou-se água da Vida, e depois foi três vezes derramada sobre sua cabeça: Servo de Deus Nicolae, eu te batizo em nome do Pai. Amém. Em nome do Filho. Amém. Em nome do Espírito Santo. Amém.

Uma celebração luminosa realizada numa cela fétida e nas condições mais precárias. Pela graça, Nicolau era agora verdadeiro filho de Deus. As trevas da prisão cederam posto à luz da liberdade interior.

Chegara à conclusão de que a principal condição para ser cristão é a coragem e que a pessoa, entregando-se a Nosso Senhor Jesus Cristo, é capaz de transcender o tempo e o sofrimento, chamando de felizes, interiormente, os momentos mais cruéis a que foi submetido em sua vida.

Ele mesmo descreve o estado de inaudita felicidade e liberdade que dele tomou conta: Entrei cego na prisão (com vagos fulgores de luz, não acerca da realidade, mas interiores, fulgores autógenos de trevas, que fendem a escuridão sem dispersá-la) e saio com os olhos abertos; entrei mimado, luxento, saio curado de caprichos, afetações, presunções; entrei insatisfeito, saio conhecendo a felicidade; entrei nervoso, impaciente, ultra-sensível a bobagens, saio sereno; o sol e a vida diziam-me pouco, agora sei apreciar o menor pedacinho de pão; saio admirando mais do que tudo a coragem, a dignidade, a honra, o heroísmo; saio reconciliado: com aqueles com quem errei, com os meus amigos e inimigos…”.

Libertado em 1964, continuou sua atividade literária e amadureceu sempre mais a fé cristã. Destacou-se na intelectualidade romena por notável e fecunda atividade de tradutor, editor e crítico literário.

No mosteiro, Nicolae recebe a liberdade e felicidade totais

Mas, Cristo não o deixava em paz: queria oferecer-lhe muito mais, uma maior liberdade e felicidade. E assim, Nicolae descobriu seu caminho: a vida monástica. Em 1980 foi aceito como monge no Mosteiro de Rohia. Trabalhava como bibliotecário e ao mesmo tempo se dedicava à escrita.

Ordenado padre, sua fama como conselheiro e confessor aumentava, atraindo semanalmente dezenas de visitantes a Rohia, para raiva da polícia secreta comunista.

Narra seu processo de amadurecimento na fé e conversão no livro “Diário da Felicidade” (publicado pela É Realizações – 554 páginas -, traduzido por Elpídio Mário Dantas Fonseca): Nicolae Steinhardt queria que essa obra fosse suas “Confissões”, como Agostinho fizera as suas. Era seu modo de testemunhar a gratidão a Jesus que o encontrara e lhe dera o dom da felicidade.

Antes de morrer em testamento verbal falou a seu amigo Virgil Ciomoş a respeito do Diário da Felicidade: “Sabe, meu caro, faço enorme questão que este Diário apareça. Sem este testemunho público, eu me sentiria culpado diante de Jesus. … Dize a todos que tive fé, de todo o meu coração, em Jesus Cristo, nosso Salvador. Cristo é um grande poder, irmão Virgil, uma grande alegria e uma felicidade ainda maior. A única coisa que ele deseja para nós é fazer-nos felizes. Houve um instante em que se apiedou também de mim – o inútil – e me tomou para dizer-me que me perdoara”.

Concluindo uma vida que perpassou o pensamento e os pensadores do século XX, Cristo o chamou aos 77 anos para que mergulhasse na Luz transfigurada, em 30 de março de 1989. Em 21 de dezembro daquele ano ruiu o regime comunista e os romenos passaram a respirar liberdade civil e religiosa.

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