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CREIO, MAS AJUDA-ME NA MINHA INCREDULIDADE

De Chirico – Jesus na Barca

Jesus declarou: “Tudo é possível para quem crê!” O pai do menino epilético que a Jesus pedia a cura do filho, imediatamente exclamou: “Eu creio, mas ajuda-me na minha incredulidade” (cf. Mc 9, 14-28).

Um popular refrão para o canto do Creio reza “Creio, Senhor, mas aumentai minha fé”. Supõe gradações na fé e a oração para que a fé aumente de grau. Mas, se atentarmos ao texto bíblico de onde vem a prece, percebemos que há uma simplificação, normal quando os textos são radicais. O pai do menino epilético não diz “aumentai” e sim, ajuda-me na minha “incredulidade”. Em outras palavras, aquele homem que está diante do Senhor proclama “eu creio, Senhor”, mas vem em meu socorro, pois “eu não creio”. Sua alma hospeda simultaneamente a fé e a incredulidade. Jesus leva em conta a autenticidade da oração desse pai e lhe cura o filho.

Dando um passo adiante, podemos contemplar o centurião romano diante de Cristo crucificado e morto, e que proclama “na verdade, este homem era o Filho de Deus” (Mc 15,39). Aqui a proclamação se inverte: “Eu não creio, mas eu creio”. O pai estava diante do Senhor que curava e tinha fé, mas queria ter fé; o centurião pagão estava diante de um homem fracassado, morto e nele não tinha fé, mas proclamou que tinha fé. Paulo, no caminho de Damasco, ao ser tocado pela Luz do Ressuscitado, fala como incrédulo “Quem és tu?” e conclui com fé ao proclamar “Senhor” – Quem és tu, Senhor? (At 9,5).

A Palavra nunca nos deixa com soluções simplificadoras, mas nos desafia a passos sempre maiores. A fé é uma realidade tão constitutiva do ser humano que nunca a dominamos, mesmo professando-a. Quando ela atinge o nível do sentimento e torna-se compensador dizer “eu creio”, somos em seguida levados ao deserto e gritamos “eu não creio”. Não é a incredulidade, mas o grito angustiado para continuar a ter fé na solidão que desertifica nossa existência e que nos leva à constatação de que ainda não cremos.

Deus nos permite viver esse paradoxo, para que não o dominemos com receitas emocionais, não o compremos com “graças recebidas”, não o seduzamos para obter prosperidade. O mistério da redenção seria mais palatável com o Filho chegando ao mundo resplandecente: por isso mesmo Deus escolheu o caminho da encarnação na Virgem de Nazaré e o triunfo da derrota na Cruz em Jerusalém. Quem crê no Homem derrotado por amor é capaz de crer verdadeiramente no Ressuscitado. Por isso mesmo, Paulo faz questão de dizer “nós, porém, proclamamos Cristo crucificado” (1Cor 1,23), “Pois, entre vós, não julguei saber coisa alguma, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado” (1Cor 2,2). Quem não crê na derrota divina, não está apto a crer na sua vitória sobre a morte.

O pai que professou a fé e pediu a Jesus que lhe tirasse a incredulidade realmente tinha fé: ele acreditava, mas sentia que não acreditava. Por isso pediu o dom da fé àquele em quem não tinha fé: o Senhor. Numa palavra mais fácil: “Senhor, eu creio em ti, mas sei que não creio, por isso eu te peço que tu me dês a graça da fé, porque eu creio em ti”.

Nossa vida hoje percorre uma estrada asfaltada, com margens ajardinadas, cheia de sinalização, segurança e placas de boas vindas. Não queremos experimentar o árduo trabalho de construir o caminho, embelezá-lo, sinalizá-lo. A primeira opção é o abandono da fé pela negociata de uma religiosidade vazia e que desemboca no vazio a ser preenchido por outros caminhos que parecem mais seguros, e que nos levam a maiores inseguranças ainda. O segundo caminho é a árdua experiência de crer, de ter fé, de realizar o encontro com aquele que nascemos para procurar e que nunca nos deixa sentados nas certezas fáceis das quais se retira todo sentido de combate, de cruz, de renúncia.

Na superficialidade não há possibilidade da fé e na seriedade do caminho não há ocasião para fé facilitada. A palavra fé está inserida na palavra confiança, significando entrega total àquele em quem acreditamos. Algo tão vital e belo que teremos que sempre repetir com o pai do menino epilético: “Senhor, é evidente que eu creio em ti, mas, ao mesmo tempo, és tão grande que eu sei que não creio; somente tu podes me fazer crer em ti. Dá-me fé, Senhor”. Lembro aqui o lamento do atormentado do convertido francês Leon Bloy: “Ó Cristo, que oras pelos que te crucificam e crucificas aqueles que te amam!” Ter fé é aceitar o drama do amor divino.

Dá-se então a experiência religiosa fundante das pessoas de Deus: quanto mais o procuram, menos o encontram, quanto mais o encontram, mais precisam procurá-lo. No caminho da fé Deus vai se revelando na glória e, em seguida, vai se ocultando no pobre que encontramos pelo caminho e nas cruzes plantadas ao longo do trajeto. E então a fé continuará a ser desafiada, agora pelo amor.

Pe. José Artulino Besen

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SÃO TOMÉ, PARÁBOLA DA MODERNIDADE

Jesus se mostra a Tomé

Jesus se mostra a Tomé

O nosso, é um mundo de crenças e de emoções, mesmo lá onde se busca lealmente a presença do Senhor. Quando o crente bate no peito para dizer “o Senhor me tocou e eu mudei de vida”, quando o carismático diz que “senti o Espírito Santo e agora estou super feliz”, podem ainda estar aprisionados no mundo das emoções que leva ao mundo das crenças e não ainda da fé.

As religiões, com suas rádios e redes televisivas, se equilibram delicadamente num fio de lâmina que pode conduzir ao desejo da busca de Deus ou criar crentes satisfeitos por terem adquirido um “produto” consolador. Podem levar muita gente não a buscar o Deus da vida, mas uma vida resolvida a toque de tambores miraculosos.

No dia 3 de julho a liturgia [latina] celebra São Tomé (Jo 20, 24-29). Sua memória faz ecoar em nossos ouvidos o tempo pascal, lembrar o apóstolo apelidado de “pai da dúvida” e que, tendo colocado o dedo na chaga de Cristo, exclamou: “Meu Senhor, e meu Deus!”.

Sem o Espírito da Verdade, necessitamos de crenças

O Tomé sem a efusão do Espírito Santo pode muito bem ser colocado num altar que oferecesse à civilização pós-moderna seu ícone. É um homem moderno, um exemplo de modernidade.

Ele foi escolhido a dedo pelo Senhor, convidado a ser amigo íntimo, privou de uma convivência de quase três anos. Ele ouviu Jesus dizer que “ressuscitaria ao terceiro dia”, sem que isso encontrasse ressonância em seu mundo interior. A palavra – mesmo de um amigo íntimo, e que amigo! – só teria valor depois de realizada. Nada de profecias, tudo de acontecimentos.

Tomé vira cegos recuperarem a vista, coxos andarem, mortos ressuscitarem. Emoção sobre emoção. O Senhor, porém, ficava sempre devendo mais uma, pois “pediam mais um sinal”. As emoções são insaciáveis, porque são passageiras e pedem outra, para continuarem a sedar a realidade da existência.

Com a morte do Senhor, terminara o ciclo das emoções. O que lhe importava o testemunho dos apóstolos, das mulheres, dos discípulos de Emaús, que tinham visto o Senhor? Tomé não aceita crer através da palavra dos outros, ele não aceita o testemunho de uma comunidade. Ele quer milagre e revelação particulares, pouco lhe importando as experiências dos amigos.

Rejeita crer olhando a face de seus amigos, a face resplandecente das mulheres, o rosto transformado pelo reflexo luminoso do Homem ressuscitado. Tomé gosta de emoções, mas a felicidade alheia não o toca. Nega-se a ver o estupor, o entusiasmo dos amigos, nega-se a contemplar o rosto dos outros.

Ter fé é crer no testemunho do outro

Os Onze estão reunidos, ainda transtornados pela visão do Senhor. “Nós vimos o Senhor!” Para Tomé, ouvir é admitir que outros saibam mais do que ele: “Só creio se puder ver, tocar as chagas, colocar o dedo na chaga do lado direito!” Ouvir por ouvir, todos ouvem. É preciso tocar para sentir.

Quando Tomé fala em tocar as feridas, colocar o dedo na chaga, revela falta de pudor, desejo de profanar a dor alheia, crer somente entrando intimidade adentro, por mais dores que isso recorde, por mais sofridas que tenha sido. Tomé quer ver e tocar, decifrar o mistério do outro. A figura de Tomé parece-nos uma amostragem antecipada de nossa época, que tem prazer de assistir pela TV a dor enfeitada, rir da miséria moral, desvendar a intimidade, rasgar cirurgias cicatrizadas. Quer tocar a chagas do Senhor: tocar as chagas do próximo.

Oito dias depois, chega o Senhor. Cheio de paciência, pede a Tomé não que o olhe, não o contemple em sua beleza ressuscitada, mas que o toque, sinta suas chagas. Tomé ainda não tinha fé, necessitava, sim, de crenças: ouvir, ver e tocar, para sentir e depois dizer: “Meu Senhor, meu Deus!”.

Feliz aquele que crê!

Tomé não era feliz, pois Cristo afirma em seguida “Feliz quem crer sem ter visto!”. Aqui podemos lembrar a velha Isabel falando a Maria: “Feliz és tu, Maria, porque acreditaste!”.

No Pentecostes, Tomé foi agraciado pelo dom da fé e saiu pelo mundo, como os outros, anunciando o Ressuscitado e convidando à fé na presença viva do Ausente-Presente. Apóstolo das Índias, não prometia a ninguém a possibilidade de tocar o Senhor. Oferecia algo mais precioso: ter fé, crer. E deu a vida pelo Senhor.

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