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ANO DA FÉ – CRENTES E DESCRENTES, ATEUS E ATEUS DEVOTOS

A Luz Eterna ilumina a Igreja – Basílica de São Pedro

Na África negra não há ateus, nem descrentes, nem indiferença religiosa. Nas grandes culturas da Ásia, a fé se identifica com a própria existência, não sendo possível vácuos entre a vida e Deus.

Na América latina e no Brasil profundo, entre os simples da terra, não há ateus, nem ex-crentes, nem indiferentes. Respira-se Deus em cada situação vital. Eles seguem o pobre peregrino da Galiléia sofrendo a ação que nós, católicos ditos “conscientes”, movemos para tirá-los da “ignorância” e introduzi-los em nossa fé iluminada. Julgamos que nosso modo de crer é também o modo de viver corretamente o Evangelho. Com freqüência nos deparamos com situações de certo modo risíveis: explicamos ao pobre como viver em comunidade, como ser solidário e, na verdade, isso ele já vive, e com imensa generosidade.

Respiramos um forte ar de indiferentismo, uma soberba intelectual que afirma Deus impedir a ação da inteligência. Fazemos da profissão de fé atéia uma espécie de religião. Freqüentemente é mais do que isso: é a redução da vida ao usufruto da vida, sem se deixar interrogar pelas grandes perguntas inerentes à existência: quem sou, donde vim, para onde eu vou. Vive-se o chão, não a profundidade.

O indiferentismo de matriz atéia se reveste, hoje, de um anticristianismo visceral, passando-se a imagem de um cristianismo odioso, pernicioso, prejudicial à liberdade e ao progresso. Tornou-se uma profissão pública combater a Igreja católica, constituindo-se até uma cultura de massa: é moda ser contra a Igreja, identificá-la com um colossal mercado do falso, do interesse financeiro, colocá-la sob suspeita. Uma sociedade hedonista não suporta o anúncio de amor, perdão, respeito à vida, às culturas, pois é uma sociedade que se contenta em vender facilidades.

No meio disso tudo, um escritor francês, best-seller de publicações antireligiosas, anuncia uma grande “novidade”: pede que a modernidade laica sirva-se de símbolos espirituais presentes nas igrejas, das liturgias marcadas pela harmonia, pois necessitamos de espiritualidade. Em palavras mais simples: somos contra a religião, mas precisamos de locais e atos religiosos. Complicado!

Há uma decepção entre os cientificistas, cuja religião é a ciência: Deus voltou, apesar do anúncio da extinção da religião. Ela está na ordem do dia, marca e preocupa sociedades tidas como secularizadas, livros religiosos estão entre os mais lidos. Decepcionam-se os que acreditavam na solução científica dos problemas humanos e percebem o retorno da espiritualidade.

Há caminhos diferentes, como o de  Fabrice Hadjadaj: (* 1971), ex-ateu, judeu de nome árabe e de confissão católica. Ele afirma, hoje: “Os ateus escrevem evangelhos, constroem capelas, pronunciam excomunhões e, fundamentalistas, procuram destruir os que crêem”. Filósofo e literato, pensador nihilista, ateu militante francês, passou pela experiência da cruz que o levou à fé. Sabendo da doença (felizmente benigna) de seu pai, dirigiu-se à Igreja de São Severino em Paris e se converteu diante da imagem da Virgem Maria. Alguns meses depois, em 1998, foi batizado na Abadia de São Pedro de Solésmes.

Em 2010, juntamente com Pierre Gelin, Frabrice fundou os «Domingos de Caná», cujo objetivo é viver cristãmente e em família o dia do domingo, consagrando-o à festa, à refeição, ao teatrro, à cultura, ao jogo, à oração, etc. Viver o domingo. Afirma, feliz e renovado: « Minha conversão não é algo passado. Tudo o que vem de Deus nos conduz a Deus. A questão principal é essa: como foi possível que eu não não acreditasse em Deus?»

Deus nos fala na história

Todo o ataque à Igreja faz parte do plano de Deus e do Senhor para nos tornar humildes servidores da Palavra e proclamar sempre: “Pecamos, Senhor. Ajuda-nos a não mais pecar!”.

Há somente duas igrejas: uma que persegue e outra que é perseguida.

A que persegue foi consumida pelo espírito mundano das aparências, da mancomunação com os poderes do mundo. Sua preocupação é o prestígio, a uniformidade, o facilitador olhar para trás. É movida por complicados raciocínios, projetos de gabinete. Não é perseguida porque é sal sem sabor, não incomoda.

A que é perseguida é a Igreja humilde e servidora, que conserva a fidelidade a seu Senhor nos momentos difíceis da difamação, perseguição. É a Igreja da missão que não se preocupa com a segurança e anuncia a Cruz. É a Igreja de comunidades felizes, pois seu ideal e compromisso é o sentimento mais puro da vida humana: amar, o amor.

Bernanos, em seu “Diário de um Pároco de aldeia” coloca na boca do velho vigário de Torcy: “O contrário de um povo cristão é um povo triste, um povo de velhos” e que “é do sentimento de sua própria impotência que a criança tira, humildemente, o princípio de sua alegria. Confia em sua mãe, compreende?”. Esse é o verdadeiro cristão.

E podemos, parafraseando Hadjadaj, perguntar: “Como é possível não crer em Deus?”.

Pe. José Artulino Besen

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CREIO, MAS AJUDA-ME NA MINHA INCREDULIDADE

De Chirico – Jesus na Barca

Jesus declarou: “Tudo é possível para quem crê!” O pai do menino epilético que a Jesus pedia a cura do filho, imediatamente exclamou: “Eu creio, mas ajuda-me na minha incredulidade” (cf. Mc 9, 14-28).

Um popular refrão para o canto do Creio reza “Creio, Senhor, mas aumentai minha fé”. Supõe gradações na fé e a oração para que a fé aumente de grau. Mas, se atentarmos ao texto bíblico de onde vem a prece, percebemos que há uma simplificação, normal quando os textos são radicais. O pai do menino epilético não diz “aumentai” e sim, ajuda-me na minha “incredulidade”. Em outras palavras, aquele homem que está diante do Senhor proclama “eu creio, Senhor”, mas vem em meu socorro, pois “eu não creio”. Sua alma hospeda simultaneamente a fé e a incredulidade. Jesus leva em conta a autenticidade da oração desse pai e lhe cura o filho.

Dando um passo adiante, podemos contemplar o centurião romano diante de Cristo crucificado e morto, e que proclama “na verdade, este homem era o Filho de Deus” (Mc 15,39). Aqui a proclamação se inverte: “Eu não creio, mas eu creio”. O pai estava diante do Senhor que curava e tinha fé, mas queria ter fé; o centurião pagão estava diante de um homem fracassado, morto e nele não tinha fé, mas proclamou que tinha fé. Paulo, no caminho de Damasco, ao ser tocado pela Luz do Ressuscitado, fala como incrédulo “Quem és tu?” e conclui com fé ao proclamar “Senhor” – Quem és tu, Senhor? (At 9,5).

A Palavra nunca nos deixa com soluções simplificadoras, mas nos desafia a passos sempre maiores. A fé é uma realidade tão constitutiva do ser humano que nunca a dominamos, mesmo professando-a. Quando ela atinge o nível do sentimento e torna-se compensador dizer “eu creio”, somos em seguida levados ao deserto e gritamos “eu não creio”. Não é a incredulidade, mas o grito angustiado para continuar a ter fé na solidão que desertifica nossa existência e que nos leva à constatação de que ainda não cremos.

Deus nos permite viver esse paradoxo, para que não o dominemos com receitas emocionais, não o compremos com “graças recebidas”, não o seduzamos para obter prosperidade. O mistério da redenção seria mais palatável com o Filho chegando ao mundo resplandecente: por isso mesmo Deus escolheu o caminho da encarnação na Virgem de Nazaré e o triunfo da derrota na Cruz em Jerusalém. Quem crê no Homem derrotado por amor é capaz de crer verdadeiramente no Ressuscitado. Por isso mesmo, Paulo faz questão de dizer “nós, porém, proclamamos Cristo crucificado” (1Cor 1,23), “Pois, entre vós, não julguei saber coisa alguma, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado” (1Cor 2,2). Quem não crê na derrota divina, não está apto a crer na sua vitória sobre a morte.

O pai que professou a fé e pediu a Jesus que lhe tirasse a incredulidade realmente tinha fé: ele acreditava, mas sentia que não acreditava. Por isso pediu o dom da fé àquele em quem não tinha fé: o Senhor. Numa palavra mais fácil: “Senhor, eu creio em ti, mas sei que não creio, por isso eu te peço que tu me dês a graça da fé, porque eu creio em ti”.

Nossa vida hoje percorre uma estrada asfaltada, com margens ajardinadas, cheia de sinalização, segurança e placas de boas vindas. Não queremos experimentar o árduo trabalho de construir o caminho, embelezá-lo, sinalizá-lo. A primeira opção é o abandono da fé pela negociata de uma religiosidade vazia e que desemboca no vazio a ser preenchido por outros caminhos que parecem mais seguros, e que nos levam a maiores inseguranças ainda. O segundo caminho é a árdua experiência de crer, de ter fé, de realizar o encontro com aquele que nascemos para procurar e que nunca nos deixa sentados nas certezas fáceis das quais se retira todo sentido de combate, de cruz, de renúncia.

Na superficialidade não há possibilidade da fé e na seriedade do caminho não há ocasião para fé facilitada. A palavra fé está inserida na palavra confiança, significando entrega total àquele em quem acreditamos. Algo tão vital e belo que teremos que sempre repetir com o pai do menino epilético: “Senhor, é evidente que eu creio em ti, mas, ao mesmo tempo, és tão grande que eu sei que não creio; somente tu podes me fazer crer em ti. Dá-me fé, Senhor”. Lembro aqui o lamento do atormentado do convertido francês Leon Bloy: “Ó Cristo, que oras pelos que te crucificam e crucificas aqueles que te amam!” Ter fé é aceitar o drama do amor divino.

Dá-se então a experiência religiosa fundante das pessoas de Deus: quanto mais o procuram, menos o encontram, quanto mais o encontram, mais precisam procurá-lo. No caminho da fé Deus vai se revelando na glória e, em seguida, vai se ocultando no pobre que encontramos pelo caminho e nas cruzes plantadas ao longo do trajeto. E então a fé continuará a ser desafiada, agora pelo amor.

Pe. José Artulino Besen

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