«Tomai e Comei, Tomai e Bebei»

Acontece com a Eucaristia o mesmo que a alguns estudiosos: para marcar o nome e a espécie de uma planta, amarram-lhe com arame uma plaquinha indicativa. Às vezes apertam tanto que a pobre planta morre sufocada.

Assim, de tanto definirmos que na Eucaristia recebemos real e verdadeiramente o Corpo e o Sangue do Senhor, a sufocamos nessa redução às vezes apologética, pois a Celebração vai muito além, sintetizando todo o mistério de Cristo, da Igreja e do mundo.

Após sua ascensão ao céu, a Igreja é o Corpo de Cristo-Cabeça, de maneira inseparável e eterna. Enviando o Espírito Santo, o Senhor transfigura toda a criação e no pão e vinho ofertados se inclui a consagração toda a criação.

Predito pelo profeta Malaquias (cf. Mal 1,11 e Oração Eucarística III), o Sacramento da Nova Aliança é celebrado continuamente em todo o mundo: não há instante em que não se faz ação de graças/eucaristia, não há momento em que o Corpo místico de Cristo e o mundo não são oferecidos e consagrados.

No Sacrifício espiritual da Eucaristia faz-se a memória real (não a recordação simbólica) da Paixão/morte/ressurreição/ascensão do Senhor. Nela ouve-se o grito de Cristo na cruz «Meu Deus, meu Deus» e nesse grito está incluído o grito da Igreja, o grito de cada membro do Corpo, um grito que chega ao Pai até o final da história. Todos os gemidos da humanidade e da criação prostituída se unem aos gemidos de Jesus e ressoam no céu (cf. Agostinho, Exp. in Psal. 85,5). A liturgia anglicana, recuperando a Liturgia da Igreja antiga, reza: «Nós te oferecemos e te apresentamos, Senhor, nossas almas e nossos corpos como sacrifício espiritual, santo e vivente aos teus olhos.» O sacrifício de Cristo e o sacrifício espiritual da Igreja tornam-se uma só realidade, pois Cristo engloba os membros de seu corpo no seu sacrifício. Tudo o que é ofertado é consagrado e transfigurado no Espírito. Por isso, em cada Missa a Igreja morre e ressuscita para poder subir aos céus com o Senhor.

O momento da Consagração, tão sagrado e íntimo para cada um de nós que vive o Mistério, é de um compromisso e entrega radicais: após rezar ao Pai, pedindo o Espírito Santo para a transfiguração/transubstanciação do pão e vinho, todo o Corpo se une nas palavras do Senhor.

Ao se entregar «tomai e comei, isto é meu corpo que será entregue por vós; tomai e bebei…», o Senhor se doa como nosso alimento e bebida. O bispo que preside a Eucaristia se entrega a seu rebanho como bom pastor e se oferta pessoalmente: «tomai e comei, isto pé meu corpo que será entregue por vós; tomai e bebei…». O presbítero que preside a Eucaristia se oferece a seu povo sem restrições: «tomai e comei, isto é meu corpo que será entregue por vós; tomai e bebei….» Cada cristão que participa da Eucaristia também se entrega a seus irmãos como alimento: «tomai e comei, isto é meu corpo que será entregue por vós; tomai e bebei…

Todos unem-se profundamente nessa oferta total «tomai e comei, isto pé meu corpo que será entregue por vós; tomai e bebei…», tendo consciência de que se tornam uma coisa só com o Senhor, para sempre. Na hora da Comunhão dá-se a conseqüência final: todos os que se ofereceram «…será entregue…» tornam-se alimento no Senhor pois, ao ouvir «O Corpo de Cristo» sabem que estão recebendo o Senhor-Cabeça e seu Corpo/Igreja. Recebemos e trituramos (comei, em grego traghein=triturar) os que se nos ofertaram, sabendo que somos recebidos e triturados pelos que receberam nossa oferta. Tudo se torna uma única realidade, o Espírito faz resplandecer em cada um de nós a beleza dos que se alimentam desse alimento fruto de doação incondicional.

O Espírito Santo jorra no mundo a partir do cálice eucarístico: cada assembléia é um contínuo Pentecostes, todos são recriados e o mundo renovado, pois todos se recebem e se dão «em Cristo.»

Cada rosto celebrante é o rosto do Senhor e o rosto do irmão, em cada rosto humano contemplamos todos os rostos, dos que cantam, dos que gemem, dos que blasfemam e nosso rosto é a totalidade desses rostos. O reino dos rostos é o reino do Espírito: Cristo, tomando nossa carne fragilizada, devolve-a unida à sua carne transfigurada. A procissão eucarística é a procissão da multiplicidade dos rostos: chegam humanos, partem divinos. Só nos resta proclamar, adorando: «Tudo isso é mistério da fé!»

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